terça-feira, 30 de dezembro de 2014

A principal palavra da língua russa

Aqueles que desejam visitar a Rússia e conhecê-la em sua plenitude terão uma grande experiência se aprenderem a língua russa, que possibilitará ver a Rússia muito além do que sua vista propicia, mas também o interior de cada russo. E para tal, é importante saber qual a principal palavra desse idioma, que faz parte do russo típico.


A célebre atriz Tamara Nosova (à esquerda), no filme "A queda de Berlim", numa cena em que entra em prantos e diz "eta nashi!"

Tendo já assistido a dezenas de filmes soviéticos e russos, reparei em uma coisa que nem sempre outros observam. Em comparação com filmes americanos, brasileiros ou alemães (os filmes que mais costumo assistir), é constantemente usada a palavra "my", isto é, "nós", e por conseguinte seus derivados (nosso, nossa, nossos...). Como assim?

Alguém já imaginou, por exemplo, um narrador de uma rede de TV anunciando um filme onde ele fala de "nossa gente" ou "nossa terra" no Brasil? De fato, já houve uma novela chamada Terra Nostra, que falava de... italianos. Em geral, no Brasil não se diz "nossa terra", "nosso país", "nossa casa", se diz "no Brasil", "na terra tupiniquim", quase sempre em terceira pessoa. Na Rússia isso é bem diferente.

Para os russos, a Rússia não é apenas um mero território, mas uma CASA EM COMUM. Um amigo falou-me de sua casa particular, confinada entre paredes, todavia quando ele põe os pés fora de casa, dizia, ele encontra-se numa casa muito maior, mais ampla, uma grande casa, a Rússia.

Assim, um russo típico jamais diz "este país", "neste país", mas sim "nosso país". Também é comum ouvir a expressão nashe lyudi, nash narod, isto é, "o nosso povo". Os russos não se consideram uma grande massa de vários indivíduos que vieram de um lugar longínquo para habitar um território, mas como uma grande família que lá convive há centenas de anos.

Diferente de muitos ocidentais, que constituem indivíduos atomizados compilados em um lugar, aliens uns aos outros, estrangeiros e estranhos de diferentes lugares, os russos se sentem como se fossem uma grande família. Para efeito de comparação, enfatizo que já presenciei pais dizendo aos seus filhos que iam para outras cidades ou estados brasileiros se referirem a esses locais como "terra dos outros" (eu mesmo já ouvi isso da minha mãe). No tempo em que morei no Piauí, vi um outdoor propagandeando a doação de sangue da seguinte maneira: "demonstre o poder do sangue piauiense", como se fosse um povo diferente do povo brasileiro. Vi diversas manifestações de bairrismo naquele estado, como se constituísse um país em separado e isso nós percebemos também em outros estados. É comum encontrar em estados como São Paulo pessoas que acham que somente elas pagam impostos, como se o nordestino, o sulista ou o nortista gozassem de isenção fiscal, gabam-se de pagar impostos como se isso os fizessem excepcionais e heróis, em vez de estar cumprindo com uma mera obrigação legal prevista em lei, independente de qualquer fator. Atacam brasileiros que recebem o Bolsa Família mas se calam diante dos sonegadores. Observamos pessoas falarem do Nordeste como uma entidade a parte, pessoas falarem do Sudeste como uma entidade a parte, e ainda pessoas que falam do Sul como se ele estivesse livre das mazelas do resto do país. Esse tipo de mentalidade é estranho à Rússia.

Essa mesma atomização da sociedade no Brasil também acontece em outros países do ocidente. Olhemos para a Europa Ocidental, um território pequeno, mas vários Estados nacionais. Ao longo dos séculos houve mais de 100 anos de guerra entre ingleses e franceses. Duas guerras mundiais foram iniciadas na Europa Ocidental, que resultaram em grandes carnificinas. A Europa foi durante anos um palco de guerras constantes entre burgos, ducados, reinos, impérios... A França se dividiu durante a IIGM entre "colaboracionalistas x resistentes", os germanos se dividem entre Alemanha, Holanda e Áustria, a América Latina (especialmente a hispânica) conhece constantes brigas internas. Argentinos e chilenos se odeiam, uruguais rivalizam com argentinos, equatorianos com colombianos, etc. Mesmo vindo de uma mesmo etnos. Durante todo esse tempo a Rússia esteve unida sob confederações de principados, sob um império, sob a URSS e hoje sob uma federação. Assim vemos a desunião no ocidente e a unidade na Rússia, a composição atomística da sociedade no ocidente, e a composição holística de uma grande família na Rússia.

Em diversas línguas aprendemos diversos nomes para esse ou aquele parente. Na língua russa a palavra para "primo" é a mesma palavra para "irmão" (двоюродный брат e брат). Na Rússia é comum um garoto chamar a um homem desconhecido de tio e uma mulher desconhecida de tia. Um jovem pode referir-se a um homem mais velho como batka (paizão), ou uma mulher idosa pode ser referida como babushka (vovó).

Esse sentimento de família também se extende aos governantes. Independente do nome formal do chefe de Estado, esse pode ser visto como um "pai em comum de todos", um pai que se gere bem o Estado permanece, mas se é mal gestor "some do trono". Isso explica por que um príncipe, tzar, premier ou presidente pode ser em alguns momentos chamado de "pai". Na Ucrânia, considerada parte da Rússia histórica (Rus), referia-se ao líder revolucionário anarquista Nyestor Mahno como "batka" (paizão). Isso explica por que na Rússia é comum, por exemplo, encontrar camisas com o retrato ou arte relacionada com o presidente Putin, que conta com grande popularidade (fato que constatei pessoalmente) em razão de sua intrepidez ante as ameaças e sanções do ocidente, isso por que o russo, que conviveu por mais de uma década sob líderes como Gorbatchov e Yeltsin, viu em Putin um líder que disse que "não há vergonha em ser russo nem em ter tido um passado soviético", o que enfureceu os Estados ocidentais, pois não se domina facilmente um povo que tem orgulho de suas raízes.

Para que o leitor entenda bem essa mentalidade, evoco um flashback de uma aula de história. Durante as aulas de história do Brasil, embora o professor fosse um mestre em história e conhecido por boas aulas, era comum que a quase totalidade da turma ignorasse o conteúdo da aula, que em razão disso por vezes se resumia a uma conversa entre mim, outro aluno e o professor. Durante essa aula ele falava sobre a Guerra dos Bárbaros, profundamente ligada com a história da cidade de Mossoró. Mesmo sendo cearense de Fortaleza, demonstrei grande interesse no assunto. Um amigo russo de Tula contou-me sobre um ocorrido em sua escola. Quando uma professora (evidentemente estrangeira) perguntou a ele "quem venceu a Batalha de Kulikovo em 1380?" (ao leitor: uma batalha decisiva entre os russos e os tártaros, quando os russos se levantaram contra o domínio da Horda, abandonando sua condição de vassalos), um garoto levantou o braço, contava meu amigo, e respondeu: "fomos nós!". Os demais alunos concordaram.

A professora, atônita, exclamou: O quê?! "Quem é "NÓS"?". "Vocês não devem dizer que "fomos nós", já que quem venceu foram russos medievais e não vocês crianças". Embora o meu amigo mencionasse que se tratava de uma boa professora, com títulos acadêmicos, ela falhou em identificar ali a mentalidade e os sentimentos de crianças russas.

Sendo estrangeira, ela não compreendeu que os guerreiros russos que no século XIV derrotaram os tártaros fazem parte do mesmo organismo que os russos que hoje vivem na Rússia. Assim, para os russos as vitórias de 800 anos atrás, de 65 ou do presente no Leste da Ucrânia, são vitórias "nossas". Devo lembrar ao leitor que estamos falando de um povo onde é fácil encontrar pessoas que tem pelo menos um avô que de algum modo lutaram na maior guerra da história, a Segunda Guerra Mundial, que na Rússia é chamada de "Grande Guerra Patriótica". 

Na Rússia "my" está em quase todos os lugares, há uma cantora cujo nome artístico é "Nasha Dasha", um partido "Nash dom - Rossiya" (Nossa casa é a Rússia), uma organização chamada "Nashi", Stalin dizia "nashe delo pravoe" (nossa causa é justa), em algumas cartilhas infantis sobre o alfabeto cirílico, o único pronome mostrado é "my", ao ser apresentada a letra "m". Para finalizar a comparação, o longo hino nacional brasileiro fala em "nosso peito", "nossos bosques", "nossa vida", mas nunca "nosso país", "nossa terra". No hino russo logo em seu início temos "nossa potência sagrada", "nosso país", "Glória à nossa pátria livre", "Nós nos orgulhamos de ti".

Por isso, não se esqueça: para os russos my não é só uma tradução seca e formal de um pronome, mas antes de tudo o retrato e a expressão de uma etnos.

Monumento aos defensores da Rússia, mostrando o vityaz, o soldado anti-napoleônico e o militar do Exército Vermelho, no Parque da Vitória, em Moscou. "Os nossos" para os russos.

Por que os russos sorriem pouco?


Recordo-me que quando comecei a acessar a rede social russa, o VK, por volta de 2008, e o Facebook passou a ser acessado por brasileiros, reparei numa coisa. Enquanto as brasileiras costumam sorrir mostrando os dentes, as russas costumam ter um sorriso mais contido em suas fotos de perfil. Também verificamos isso em fotos de políticos. Enquanto no Brasil os candidatos tiram fotos com grandes sorrisos, na Rússia em geral os candidatos e líderes políticos tiram fotos sérios.

Geralmente os russos não costumam sorrir em locais públicos, mas isso não quer dizer que "sejam antipáticos", isso em indica na realidade um estado de "eupatia". Em contrapartida, é comum que em linguagem escrita os russos usem e abusem de smileys, que se diferem um pouco do ocidental, parecendo com "))", ou "))))))))" para longos sorrisos. Para que o leitor do blog possa se situar melhor, publico aqui um artigo do linguista Ióssif Sternin, a respeito do assunto, publicado na Gazeta Russa, e um artigo de Yevgeniya Vlassova:



Não dá para negar que na Rússia há muita gente de cara fechada. Este é um dos traços nacionais mais marcantes do comportamento não verbal e da comunicação. Isso faz com que o sorriso assuma outros significados, além da expressão de alegria comum em outros lugares do mundo.

De um modo geral, a cultura comunicativa russa tem como pontos fortes a sinceridade e abertura. Durante séculos, a vida cotidiana dos russos foi preenchida por uma difícil luta pela sobrevivência, e a preocupação constante foi fixada no inconsciente coletivo, passando a fazer parte do comportamento habitual.

Saiba como identificar os sinais por trás de um sorriso russo e evite aborrecimentos desnecessários.

1. Sorriso contido

Na maior parte das vezes, os russos mexem os lábios, mostrando ligeiramente apenas os dentes superiores. Mostrar os dentes superiores e inferiores é considerado “vulgar” e recebe o apelido de sorriso “arreganhado” ou “de cavalo”.


2. Simpatia, só que não
Na comunicação entre os russos, o sorriso nem sempre é sinal de cortesia. Quando o sorriso é constante, é rotulado de hipocrisia ou disfarce.

3. Conhecidos somente
Ao se comunicarem, os russos não têm o hábito de sorrir para desconhecidos. Por isso, funcionários de lojas e postos de serviço não costumam sorrir para os clientes.

4. Sem reciprocidade
Os russos não costumam retribuir sorrisos avulsos. Mesmo que um conhecido se desfaça em sorrisos para um russo, pode ser que não seja correspondido. O sorriso, nesse caso, é encarado como um convite ao diálogo.

5. O outro lado da história
Apesar de tudo que foi dito anteriormente, o sorriso russo pode ser também uma demonstração de simpatia. Sorrindo para outra pessoa, os russos enviam uma mensagem: gosto de você. Daí o fato de sorrir só para conhecidos, já que ninguém nutre esse sentimento caloroso por qualquer pessoa.

6. Atenção acima de tudo

Raramente os russos sorriem em situações profissionais ou tratando de um assunto de responsabilidade. Os funcionários da alfândega, por exemplo, não sorriem por estarem ocupados com um trabalho importante. Os professores não também não costumam aceitar que os alunos sorriam durante as aulas. Uma das advertências mais frequentes nas escolas russas é: “Por quê está sorrindo? Preste atenção!”


7. Prova de sinceridade

O sorriso pode expressar boa disposição ou simpatia para com o interlocutor. Mas o mais importante é que o sorriso seja sincero. Sem isso, não há razões para sorrir.


8. Apenas quando necessário

Um sorriso sem justificativa pode suscitar preocupação e desejo de obter uma explicação.


9. Respeito à situação

O sorriso deve ser “conveniente”, do ponto de vista dos presentes, e adequado ao contexto. É falta de respeito sorrir em momento de tensão ou na presença de alguém afligido por problemas pessoais, de saúde etc.


10. Sorriso sem graça
Na mentalidade russa, o sorriso se assemelha ao riso, e ambos são considerados expressões emocionais idênticas. É frequente, na Rússia, o sorriso de alguém ter como resposta: “Não entendi a graça”.

Originalmente publicado em: 
http://br.rbth.com/sociedade/2013/11/29/10_razoes_para_sorrir_ou_nao_23077.html


Ainda sobre o sorriso russo, de Yevgenya Vlassova:


Um amigo alemão uma vez me perguntou: "Por que as pessoas russas tão sérias? Ninguém sorri aqui." Eu olhei em volta e percebi que, na verdade, quase ninguém no metrô de Moscou estava sorrindo. Eu disse: "Por que eles sorririam?". Meu amigo levantou a sobrancelha em surpresa e mudou de assunto.

Lembrei-me de nossa conversa e comecei a procurar a resposta para o motivo de os russos raramente serem encontrados sorrindo. Poucos meses depois eu encontrei uma explicação muito sólida e completa no artigo Um Sorriso em Comportamento Comunicativo Russo pelo Dr. Iosif A. Sternin. O professor explicou que, na Europa ou na América do Norte, sorrir é um sinal de polidez. Quando você vê as pessoas sorrindo para você nos EUA ou na Alemanha, isso não significa nada além de uma atitude neutra em relação a você. Um sorriso é um "nível zero" na comunicação. Por outro lado, na Rússia, não sorrir é um sinal de uma educação neutra, pois um sorriso é sempre informativo. Um sorriso russo é sempre pessoal. Quando um russo sorri para você, ele ou ela quer dizer que gosta de você, de forma sincera. Quando os russos visitam a Europa ou América do Norte pela primeira vez, gostam de olhar para rostos sorridentes, porque eles (nós, russos) tomamos isso pessoalmente. Nós realmente acreditamos que todo mundo no exterior é muito gentil. Depois de alguns dias, os turistas russos percebem que um sorriso aqui, na verdade, não significa nada e começam a culpar os habitantes locais por sorrisos insinceros. "Eles sorriem para você o tempo todo. Você acha que eles te amam, mas na verdade, eles adoram o seu dinheiro", reclamou para mim amargamente um amigo meu. Tentei explicar-lhe: "Você não tem que levar isso para o lado pessoal, eles só querem ser educados com você." Sua resposta foi: "Eu prefiro ser sincero". Toda vez que eu cruzar a fronteira com a Rússia, eu me lembro de sorrir para não ter aquele olhar russo sombrio.

Na Rússia, não é comum sorrir para estranhos. Quando você sorri para um estranho, você pode obter a pergunta: "Já nos conhecemos?" em troca, pois os russos normalmente sorriem apenas para as pessoas que conhecem. Além disso, não é comum sorrir quando se lida com questões mais sérias. Você não vai ver muitos rostos sorridentes em reuniões de negócios, porque o negócio é sério, e por sorrir, você mostra não ter seriedade ou que você desconfia de palavras dos seus sócios. Assistentes de loja russos são treinados para sorrir, porque sorrir enquanto serve as pessoas não é natural para os russos. "Vou levá-la a sério, você é importante para mim, então não sorrio" é a abordagem russa natural para um sorriso.

Os russos não usam um sorriso para animar ninguém. Ao visitar alguém, que está passando por momentos difíceis ou de profunda tristeza de uma perda, os russos não sorriem. Um sorriso seria considerado ofensivo. Se você o faz, mostra não respeitar a pessoa, bem como não se importar com os seus sentimentos, achando a situação engraçada.

Muitas vezes, os russos não sorriem "de", mas "sobre" alguma coisa. Por exemplo, se eu andar na rua e perceber que as pessoas começam a sorrir ao olhar para mim, eu acho que há algo de errado com a minha aparência, em seguida, paro e verifico se está tudo bem com minhas roupas.

Os russos precisam de um motivo especial para sorrir. Você ouve uma boa notícia e sorri para mostrar que considera esta notícia muito boa. Você se sente realmente grande e mostra um grande sorriso, então todo mundo entende que tem algo muito bom está acontecendo em sua vida. Você tem que ter uma razão especial para o riso. Há um ditado popular russo, "Um riso sem motivo é um sinal de estupidez", que significa que você pode ser muito estúpido ou louco se você rir de nada.

Os russos são um povo frio? São rudes?

Russo, segundo o cinema americano e mitos populares no ocidente

Antes de responder a essa pergunta, vamos questionar uma coisa, o que é uma "pessoa fria"? Os brasileiros são um povo frio?

Recordo-me quando estava no metrô de São Paulo em 2011, voltando para casa em pleno horário de pico, em pé. Puxei conversa com uma moça que estava lendo, ela clamou que eu não era de São Paulo, dizendo que percebeu isso por que as pessoas daquela cidade nunca puxam conversa no metrô. O marido da minha tia, que mora há mais de 25 anos na cidade, comentou que em São Paulo infelizmente uma pessoa pode ficar furiosa só em alguém olhar para ela. Também me recordo há alguns meses atrás ajudei um casal paulista a encontrar um ponto de referência em Fortaleza e eles me agradeceram, dizendo que todos em Fortaleza eram muito atenciosos com eles, e lá eles precisavam "aprender isso com os nordestinos".

Lendo os noticiários nacionais, vemos pessoas da cidade de São Paulo que ficam furiosas simplesmente por causa de uma ciclovia, dizem que "o mundo está perdido" por causa de uma simples faixa no trânsito, vemos senhoras supostamente educadas que ficam furiosas por causa de um mendigo negro e deficiente físico, que chamam policiais "analfabetos" por cumprir seu dever, vemos jovens da burguesia, pessoas supostamente educadas e de nível superior, pedirem o "afogamento de um povo inteiro" por causa de um voto. Médicos estrangeiros que vem ajudar o povo são recebidos a gritos de desprezo por profissionais de medicinas, pessoas que supostamente receberam educação, pessoas de "bom nível social" em uma capital nordestina. Pessoas que acham que por ter um sobrenome europeu "trabalham mais e sustentam o resto do país", como se o nordestino não levantasse por vezes 3 da manhã para ganhar o sustento da família trabalhando até tarde da noite. No Brasil é fácil ler sobre casos onde mulheres ciumentas cortam o falo de seus maridos, onde maridos ciumentos matam a esposa a sangue frio, onde garotões bem nascidos tocam fogo em um índio, onde pai de família esquarteja um porteiro em seu condomínio. Falando de minha experiência pessoal, já fui chamado a atenção no trabalho em duas diferentes capitais nordestinas por tomar chimarrão em plena hora de descanso. Já presenciei funcionários de empresas aéreas chamando passageiros como quem toca o gado, nada parecido com os alertas aos "respeitáveis passageiros" do metrô de Moscou. É preciso ter isso em mente antes de questionar se povo x ou y é "rude".


Já morei em diversos lugares do Brasil e também já viajei por muitos lugares. Se vou a um bar, por exemplo, é normal ver brasileiros conversando e sorrindo, mas se vou a um transporte coletivo onde as pessoas voltam do trabalho eu não vejo ninguém sorrindo, exceto durante a Copa. É possível ficar ainda mais irritado nesse tipo de transporte devido a passageiros que não conheceram uma grande invenção da humanidade chamada "fone de ouvido", ou mulheres chateadas por causas de espertalhões que delas abusam em uma lotação. Falando em questões triviais, uma matéria exibida em um jornal de televisão demonstrou que muitas pessoas fogem da ideia de um abraço ou de um beijo. No Brasil uma mulher normalmente não aceita o convite de um homem para sair, e se tiver namorado aí que não aceita mesmo. Em um estudo feito em um jornal de TV, um homem médio também evita um convite de outro homem para pegar um cinema, exceto na companhia de outros homens. Muitas pessoas também evitam responder a um bom dia, um primo meu de Minas contou-me que ao chegar em Recife um indivíduo respondeu-lhe de forma grosseira a um bom dia, e um amigo cearense comentou como um carioca respondia-lhe de forma grosseira, usando-se de ironias, a um bom dia. Agora que falamos dos brasileiros, vamos falar dos russos. 

Com torcedores russos de Vladivostok (Extremo-Oriente) em Fortaleza, em 2014

Antes mesmo de ir à Rússia, me deparei com um significativo número de russos em Fortaleza, especialmente durante a Copa do Mundo e o evento do BRICS. Durante a Copa, conheci estrangeiros de diversas nacionalidades, havia pessoas que queriam tirar fotos com brasileiros, mas que no dia seguinte sequer sabiam o seu nome ou lhe davam bom dia. Havia alguns que demonstravam um puoco de polidez, se você falava com um americano limitavam-se a dizer your English is good, sem demonstrar qualquer interesse na interação com os habitantes do local. Entretanto quando se tratava de russos a coisa era totalmente diferente. Eles não apenas diziam que eu tinha um bom russo, como diziam "vamos lá, irmão, torcer juntos pela Rússia", ofereciam-me cerveja, lanches, cigarros, coisas que cheguei a recusar várias vezes por causa da minha garganta, por educação e por que não fumo. Quando trabalhei como intérprete de um casal russo eles fizeram questão de que eu fosse assistir ao jogo do México e Holanda com eles, me convidaram para sair com eles durante a noite, mesmo sem a necessidade. Durante o BRICS não foi diferente, em especial pelo mais notável cidadão russo, atualmente, o presidente Vladimir Putin. No Hotel Marina Park, onde ele se reuniu com o presidente sulafricano Jacob Zuma, ele fez questão de entrar pelo salão principal e cumprimentar a todos os presentes, incluindo o diretor do hotel. No dia seguinte, recebi de sua guarda pessoal, o FSO, dois grandes presentes, um estandarte do FSO e um par com caneta e lapiseira. Um dos vários integrantes do Kremlin, durante sua saída, chamou-me de forma séria, achei que se tratasse de uma reclamação. Ele me abraçou e me convidou para ir a Moscou, disse que "eu encontraria a si mesmo na capital russa". Dito e feito, parti para Moscou meses depois.

Ao chegar em Moscou, tomei um ônibus para a residência de uma amiga, eu vi pessoas sérias como vejo pessoas sérias nos ônibus do Brasil. Minha amiga Adriana apresentou os seus amigos de uma bodega, lá trabalhavam senhoras da Ucrânia, Armênia, Tadjiquistão e de outras ex-repúblicas soviéticas. Todas me receberam de forma entusiástica, diziam à minha amiga para "cuidar bem de mim" (é normal que na Rússia as mulheres tratem bem os homens, sem necessariamente ter interesse passional), convidaram-me para cantar em um aniversário, mas eu sequer tinha chegado em casa ainda.

Em Moscou e em outras cidades eu tive a oportunidade de encontrar-me com vários amigos e amigas que chegaram a me convidar para suas casas, que me levaram a diversos locais interessantes de Moscou. Uma das primeiras russas com quem me encontrei tem uma beleza notável, de formas exuberantes, namora há algum tempo um jovem russo, mas encontrou-se comigo, fomos à principal catedral da Igreja Ortodoxa, tiramos fotos, passeamos, almoçamos e nos despedimos. Eu acho pouco provável que isso se daria de forma tão natural no Brasil, quase impossível, num país onde as pessoas tendem a enxergar apenas maldade numa simples relação.

Ainda com relação à hospitalidade russa, eu tive que cessar elogios a certas coisas que os russos tinham, caso contrário iria "passar um pente" na casa de cada russo que eu visitava. Sabendo que os russos gostam de trocar presentes (o filme onde o ator austríaco Arnold Schwarzeneger interpreta um miliciano russo não mente no final), comprei diversos presentes para cada um que eu visitasse. Era comum eu chegar nas casas e ganhar sempre um presente, dentre os quais: livros, imã de geladeira, um ushanka, um uniforme de fuzileiro naval russo, bebida típica, etc. Para se ter uma ideia de quem são os russos, cheguei na Rússia com 23 quilos na bagagem, voltei com 40 quilos, dentre compras e presentes.

Um dos momentos mais emblemáticos e simbólicos foi em uma visita a um posto de ajuda à Milícia Popular da Novorrússia, um país que se forma no Leste da Ucrânia durante os conflitos. Lá eu levei uma doação feita por jovens brasileiros e uma senhora americana, mas ao questionar sobre a situação e demonstrar meu apoio eles ficaram impressionados. Um general cossaco (chegou a me mostrar seu documento de general da reserva) chegou a me presentear com botas de oficial. 



Houve algumas situações engraçadas. Estando no centro de comércio Planyernaya tarde da noite, fui passar meu cartão no leitor eletrônico da roleta, mas estava sem fundos, então uma senhora logo atrás disse que me daria uma "forcinha", então ela passou o cartão e a roleta se abriu. Ela me sugeriu que avançasse e passasse junto com ela, eu fiquei impressionado com a generosidade daquela senhora, mas não queria fazer o errado, pois estando ali como brasileiro, representava não apenas a minha pessoa, como também o meu povo, o povo brasileiro, e não queria fazer o errado. Então uma senhora do controle de ônibus disse que era errado, a bondosa senhora me disse que não ligasse para ela, mas não pude avançar, comprei os créditos e comentei como muitas pessoas são bondosas na Rússia.


É interessante frisar que na Rússia, como no caso descrito, a generosidade não veio apenas de "amigos com quem eu me relacionava há anos pela internet", mas de pessoas que até então eram totalmente desconhecidas. Um caso notável foi durante a minha descida na Estação Biblioteca V. I. Lenin. Eu sequer planejava visitá-la, até que vendo no metrô, lembrei da biblioteca descrita em meu manual de russo. Saindo da estação, percebi uma pessoa de cabelo curto e loiro, quando lhe perguntei sobre a biblioteca, ela se virou e percebi que era uma linda moça com um visual bastante diferente, cabelos curtos e raspados nas laterais (em geral as russas tem cabelos longos), mas feminina, ela me falou a direção da biblioteca e disse que poderia me guiar até lá, não só me guiou como tirou fotos minhas e ainda deixou seu contato. Quando a contatei, ela acabou me dando um presente, falou com a mãe de seu namorado para organizar para mim um tour pela Biblioteca V. I. Lenin, incluindo áreas inacessíveis por estrangeiros, o que se concretizou.

E não foram apenas civis que conheci. Antes de visitar a Rússia li muitas coisas sobre "policiais corruptos e grosseiros", mas foi justamente o contrário no metrô de Moscou e em outros lugares. Os policiais foram geralmente prestativos, deram informações, não fizeram qualquer insinuação nem pediram meu passaporte. Uma situação foi ainda mais interessante, em Ulyanovsk, uma pequena cidade onde nasceu o revolucionário Lenin e viveu o grande escritor Goncharov. Quando fui tomar o trem para Kazan, cedo pela manhã, eu conferia a minha passagem, até que no canto da vista vi dois policiais vindo em minha direção. Ambos se apresentaram, não sei se por eu estar usando as botas de oficial que ganhei de presente, falaram onde o trem se encontrava e até me ajudaram com a bagagem até a plataforma.

Em verdade, quase tudo que até então eu havia lido sobre russos "grosseiros e frios" acabou indo para o ralo enquanto mitos criados por pessoas que jamais foram à Rússia, por pessoas que estiveram na Rússia, mas não falavam russo e por isso nada entenderam, por pessoas preconceituosas ou em alguns casos mesmo por pessoas pagas para atacar a Rússia e assim prejudar o seu turismo e desumanizar o povo russo. Antes de se falar no russo, há que recordar e comprovar a veracidade de uma citação do grande escritor ucraniano Nikolay Gógol:


"Há camaradas que estiveram em outras terras, mas camaradas como na terra russa não há. Amar tanto como a alma russa, amar não com a mente, mas com aquilo que Deus colocou dentro de você, amar tanto assim, ninguém pode" (GÓGOL, N. Taras Bulba)

"Vocês são russos, camaradas?"


Muito se diz que a Rússia é um país "xenófobo, hostil". Relato aqui a minha experiência de entrada na Rússia.

Fiz o meu voo através da Alitalia, fui a Moscou via Roma. Chegando na capital do antigo Império Romano, me deparei com funcionários mal humarados, percebi muita má vontade na hora de dar informações, que sempre eram encerradas com um sorriso seco e falso como o do apresentador fascista de origem italiana Danilo Gentilli (ser descendente de italianos não faz ninguém racista, mas infelizmente quase sempre um racista de renome tem algum sobrenome italiano, sendo Mayara PETRUSO um bom exemplo disso).

Chegando na imigração me deparei com uma situação um tanto estranha. Eu já havia ouvido falar de tratamentos humilhantes concedidos a brasileiros na Espanha, mas que isso também ocorria na Itália foi novidade para mim, ainda mais considerando que o nosso povo brasileiro estendeu a mão aos italianos para livrá-los de Mussolini e recebe todos os anos turistas italianos que recebem tratamento de rei pelos brasileiros. Ocorreu que os brasileiros foram separados em uma fila, onde se dava uma revista manual, e após essa revista um verdadeiro interrogatório por policiais italianos. Eu não estava indo para a Itália, estava indo para a Rússia. Daí vieram as tradicionais perguntas, em que cidade vai ficar, em que endereço, que amigos, número da casa, razões de ir para a Rússia, se fala russo, etc. Até aí tudo bem, não fosse o fato de que as razões foram perguntadas talvez umas 500 vezes, depois vieram comentários que demonstraram o despreparo e a falta de profissionalismo dos policiais italianos. Uma vez que estava pela primeira vez entrando em um país estrangeiro, fui da maneira mais formal possível, camisa manga longa, gravata, colete, calça social, capa em vez do terno... Um policial comentou em italiano que "eu parecia um ditador totalitário", eu respondi (evidentemente em russo) que "lutchshe byt diktatorom, chem byt golubym" (parafraseando o presidente bielorruso Lukashenko), o policial então percebeu que eu entendia italiano. Depois foi feita uma busca em minha bolsa, nem meu caderno russo escapou, um dos policiais deve ter se dado conta do papel patético que estava fazendo, ao se deparar com uma escrita russa manuscrita, e simplesmente me dispensou. Isso durou quase uma hora, e nem sequer foi feito em uma sala com cadeiras, mas fiquei em pé respondendo a isso. Na Rússia se diz que "o inimigo não tem direitos", quando se quer convidar alguém para sentar (isto é, sente-se que você não é inimigo).

No aeroporto de Fuomicino tive alguns dissabores, por exemplo, foi feita uma mudança nos portões de embarque e sequer fui avisado, após perguntar em italiano e inglês a uns 500 funcionários, nenhum soube informar direito, isso até encontrar um casal russo (identifiquei que eram russos pela fisionomia) e pedir a informação, que me deram corretamente. Chegando num ônibus que me levaria até o avião Moscou, onde os passageiros subiam, olhei para os populares que lá se encontravam e perguntei: "vocês são russos, camaradas?". Ao que responderam positivamente, senti uma grande sensação de alívio, e graças a Deus já estava indo embora da Itália. O aeroporto de Fuomicino é muito criticado por visitantes não só do Brasil como de outros países, nos comentários do Google um americano descendente de italianos diz que esse aeroporto "não é digno de estar na Europa e deveria estar num país de terceiro mundo".

Tive como colega de voo uma mãe russa com um neném de cerca de 7 anos (para mim até 10 anos uma criança é neném), a primeira criança russa que vi pessoalmente. Aterrissando no aeroporto de Sheryemyetyevo, passei pelo "Пасспорт контроль"(Controle de passaporte), fui recebido por uma pogranichnik, com o posto de tenente-coronel (o que reconheci em seu uniforme). Cumprimentei-a e ela analisou meu passaporte, perguntou o motivo da visita, e falei entusiasticamente que se tratava de um sonho, ela ficou impressionada com o meu russo e perguntou-me onde aprendi, contei-lhe sobre o lugar e ela então me cumprimentou através do vidro, entregando o meu passaporte carimbado e me disse dabró pajalovat v Rossii (bem vindo à Rússia), como uma tia que recebia a um sobrinho. Segui adiante e recolhi minha bagagem, graças a Deus inteira. Os funcionários do aeroporto foram bastante prestativos e percebi alguns recém chegados pedindo para tirar fotos com as funcionárias do aeroporto, pois elas usam uniforme e possuem uma aparência bastane notável.

domingo, 28 de dezembro de 2014

O que levar para a Rússia?

Nasci numa cidade quente no Brasil, em Fortaleza, no Ceará, morei em duas cidades conhecidas pelo seu calor extremo, Mossoró, no Rio Grande do Norte, e Teresina, no Piauí, exatamente por isso eu fujo de calor, é desagradável, você começa a correr ou simplesmente andar mais rápido para chegar ao trabalho e rapidamente está todo suado e grudento. Não pode usar um pouco mais de roupa e está molhado, não me sinto bem em lugar quente.

Minha época escolhida foi o inverno russo, que começa em dezembro e termina em março. Algums pessoas ficaram admiradas, "você mora em um lugar quente, no Nordeste, poderá ter problemas no inverno". Ora, se até uma babushka (vovozinha) enfrenta bem o inverno russo, por vezes, lamentavelmente, usando apenas meias, então não sou, nordestino, cabra macho, que vou amarelar por causa de alguns graus negativos. Até então a temperatura mais baixa que enfrentei foi 0 graus, em Curitiba. Além disso eu pegaria o período na Rússia considerado "mais difícil", logo eu teria cacife para falar de uma Rússia sem molezas e facilidades.

Mas vamos lá! O que levar na bagagem para não pesar demais e se dar bem no frio?

- Até -15 graus

Se você está indo para Moscou, a cidade tem baixa umidade do ar, não é como o inverno da Serra Gaúcha ou Porto Alegre, que é úmido, isso significa que você poderá suar um pouco usando casaco quando fizer -2 ou +1, então reze para que o tempo se mantenha entre -7 e -15 para aproveitar bem.

Roupas e o princípio das "3 peles":

Segunda pele (Термобельё)

Segunda pele (em russo termobilyô) é a primeira roupa a ser vestida num dia de inverno. Como o próprio nome sugere, a ideia é servir de "segunda pele" que irá proteger a sua pele original do frio. É uma peça obrigatória para quem quer enfrenter o general inverno. Ela costuma ser colada, parecida com aquelas roupas usadas por surfistas, cujo objetivo é justamente manter o calor do corpo.

Procure comprar uma segunda pele com duas partes, isto é, calça e camisa! Algumas pessoas tem mais sensibilidade ao frio nas pernas.

Onde conseguir: Pode ser conseguido em sites como o Mercado Livre direto de fábrica por preços que oscilam entre 80 e 120 reais, pagando cerca de 20 reais pelo frete.

Uma "segunda pele"


Suéter/cachecol (Свитер/Шарф)

Um cachecol é indispensável para quem quer enfrentar o frio, pois irá proteger uma pele fina e bastante sensível do nosso corpo, a pele do pescoço. Um pescoço desprotegido incorre em gripe e resfriado na certa, além de propiciar um mal estar. Há alguns casacos que protegem bem o pescoço com gola forrada, mas outros não. Além disso, um cachecol permitirá que você mesmo use um traje mais social como uma camisa com gravata (eu me recordo de como conheci uma amiga russa e ela disse que eu estava muito elegante, já que os rapazes só querem saber de usar suéter).

Um suéter é uma roupa quente, especialmente se feito de tecido grosso, o que ajuda a proteger do frio. É prática e nunca amassa. Procure comprar um suéter com "gola rolê", isto é, gola alta, que cobre todo o pescoço, se possível use junto com um cachecol, sempre de lã, evite de algodão!

Onde conseguir: Pode ser conseguido em brechós, lojas de inverno nem sempre tem (especialmente durante o nosso verão), Mercado Livre ou Ebay. Pode ser conseguido por R$ 30,00 no Ebay e com alguma sorte por R$ 50-70,00 no ML. Em lojas comuns raramente sai por menos de 120 reais.

Casaco/Sobretudo (Пуховик/пальто)

O traje mais comum de frio na Rússia são os chamados "puhovik", jaquetas acolchoadas, forradas, que parecem edredon, aquecem bastante, mas tem a desvantagem de serem volumosas, fazendo você parecer sempre mais gordo, eu não sou muito fã delas para apresentação individual, embora algumas pessoas gostem. A mais comum é na cor preta.

Outro traje bastante visto é o sobretudo de lã grossa, se for longo o bastante ele tem a vantagem de proteger as pernas e o joelho do frio, embora seja mais comum encontrar modelos que vão apenas até a coxa à venda.

Onde conseguir: São peças difíceis de se conseguir, a ponto de muitos preferirem comprá-las em Moscou ou em outras cidades europeias durante o inverno. Podem ser conseguidas no Brasil, no Sul, em brechós, ou através da internet no Mercado Livre, Ebay ou Alibaba, onde é possível comprar um bom sobretudo pagando cerca de 200 reais com o frete incluso (que levará de 1 semana a 3 meses para chegar) ou um "puhovik".


Alguns casacos bastante usados durante o inverno russo

Acessório para a cabeça

Os russos valorizam aqueles que, de forma sincera contrária a muitos ocidentais, lhes demonstram solidariedade

A Rússia desenvolveu uma das melhores coberturas para o frio, o ushanka (literalmente traduzido como "orelhão"). Eles são talvez uma das peças mais procuradas pelos turistas estrangeiros, razão pela qual muitos vendedores aproveitam para passar a faca no turista. Assim como acontece aqui no Brasil em cidades turísticas, é comum na Rússia os vendedores pedirem preços maiores por alguns itens. Recordo-me que quando quando fui comprar um ushanka nos arredores da Praça Vermelha uma vendedora da Ásia Central pediu 800 rublos por um, meus amigos búlgaros sugeriram recusar, que "ela fez mais caro por que viu que eu era turista", depois fomos a uma barraca de uma senhora ucraniana, ela fez por 450, quando perguntei-lhe se ela também vendia uma bandeira da Novorrússia, ela ficou impressionada por eu vir de tão longe e saber sobre o novo país que se forma no Leste da Ucrânia, falou que dois filhos seus combatiam em Lugansk pela independência do novo país. Ela acabou deixando por apenas 200 rublos, sem que eu sequer negociasse. Falou de como foi bem acolhida pelos russos.

O ushanka era antes parte do uniforme do Exército Vermelho e do Exército Russo, tendo sido substituído por outros tipos recentemente. Há ushanki de diversas cores, sendo o cinza e o preto o mais comum deles, todavia também há ushanki marrom, branco, amarelo e até róseo. Geralmente trazem o emblema do Exército Soviético com a foice e o martelo, mas se você é daqueles que acha que "o comunismo come criancinhas", sempre há ushanki com a águia bicéfala da Rússia. Se mesmo assim você acha que "a Rússia é um império de megalomaníacos", então você está na hora de pensar a respeito do que realmente quer! Na Rússia, especialmente em Moscou, a foice e o martelo (como também a águia bicéfala) está por toda parte, é interessante deixar isso claro para que alguns leitores não venham a infartar ou surtar por causa disso.

As vantagens do ushanka é que além de ser uma peça típica russa, ele aquece bem a cabeça e é barato em relação a outras vestes. Parece estar em moda na Rússia agora (e isso eu vi muito no metrô) chapéus de couro tipo "aviador da Segunda Guerra", eles inclusive tem um óculos de aviador na parte de cima, combina bem com uma jaqueta puhovik, também é bom para quem quer um visual alternativo. Há outros chapéus de couro e de lã, inclusive de pele de raposa, marta e outros animais.

Onde encontrar: Praticamente impossível de achar em lojas brasileiras ou brechós! Procure comprar na Rússia, onde o custo é muito mais vantajoso, evite comprar na internet. Um ushanka vendido por R$ 25,00 em Moscou, tida por cidade cara, sai pode sair por mais de R$ 200,00  no Mercado Livre e por 100 reais a mais no Ebay. Podem ser encontrados em praticamente todo centro de comércio ou loja de suvenir.

Na foto o meu ushanka, sob um cachecol, ao lado de copo de chá em um podstakannik


Luvas/Calçados

As extremidades do nosso corpo precisam estar bem protegidas durante o inverno russo, afinal, são onde mais exercemos o sentido do tato. Viajar para a Rússia durante o inverno exige boas luvas e calçados adequados. As luvas podem ser de couro ou lã grossa, se possível procure uma boa luva que permite que você toque a tela do seu celular, caso possua um, pois isso evita que você fique tirando a luva toda hora que for bater uma foto ou enviar uma mensagem. Cansei de receber mil e uma mensagens de parentes, amigos, conhecidos, etc, e depois receber reclamações dizendo que "não dava atenção", já que muitas vezes me encontrava só em alguns lugares sob um frio de -18 graus. Tente também ter uma luva que seja fácil de tirar, para a hora em que você for contar dinheiro ou retirar dinheiro de sua carteira, documentos, etc.

Nos pés, é recomendado que você use duas meias, pois caso use apenas uma, terá a sensação de ter os pés molhados permanentemente. Um amigo me disse que isso é causado pelo suor dos pés, que por ter contato com o frio externo provoca uma sensação desagradável de estar pisando em água gelada. Eu tive essa sensação desagradável em várias ocasiões, mas estive em tão boa companhia e em lugares tão interessantes que chego a pensar que isso nem aconteceu.

Sob o general inverno, você pode até usar botas campeiras se estiver fazendo até -3, menos que isso, é melhor usar botas russas, seja botas militares, botas de operário (que elitistas preferem chamar de work boot, para parecerem aristocráticos), coturnos com duas meias, ou botas especialmente feitas para o frio extremo (moroz) chamadas de "valenki", galochas com uma aparência não muito agradáveis para muitos, mas que são a melhor proteção para os pés em temperaturas inferiores a -10 graus. Usar meias de lã grossa compradas na Rússia também é uma boa pedida.



Alguns tipos de "valyenki"

Onde conseguir: Lojas com botas para trilha, com equipamentos de esqui, Ebay, Mercado Livre, lojas de motoqueiro ou na Rússia.




E LEMBRE-SE SEMPRE! NÃO COMETA O MESMO ERRO DOS ALEMÃES EM 41, O INVERNO RUSSO É MUITO MAIS RIGOROSO DO QUE O DA SERRA GAÚCHA OU DA EUROPA OCIDENTAL, REQUERENDO OS TRAJES ADEQUADOS PARA NÃO PASSAR FRIO OU TER PROBLEMAS DE SAÚDE!

sábado, 27 de dezembro de 2014

Por que criei esse blog?

Pelo autor




Há muito tempo tenho ouvido falar da Rússia, seja como URSS, seja como Rússia, especialmente em filmes americanos e noticiários. Também tomei contato com a literatura russa desde muito jovem, estudei sua história e fiquei fascinado com o fato de que mesmo tendo sofrido diversos ataques de invasores colonizadores, ao contrário do que aconteceu aos povos da América, a Rússia não apenas repeliu esses invasores como chegou a subjugá-los. 

A Rússia é um país milenar, formado por diversos povos, sendo o mais numeroso deles os russos, um povo eslavo que tem raízes nos povos fino-úgricos e cito-sarmáticos. Suas cidades são belas e seu povo é acolhedor. Todavia, não foram esses os comentários que ouvi sobre a Rússia por parte de alguns.

Sendo brasileiro, negro e nordestino, posso dizer que conheço na pele o que é o preconceito. Os russos, assim como o povo do nordeste do Brasil, são um povo que sofre muito preconceito. Jamais esqueci quando uma brasileira voltou da Rússia e disse para mim que "os russos são um povo megalomaníaco", por causa de seus monumentos aos seus soldados que livraram o seu país e o restante do mundo das hordas do III Reich nazista. Ou seja, para ela um povo ter orgulho de seus heróis que deram a vida para que os russos não conhecessem o destino dos sioux, dos cariris, dos maias, o fato desse povo manter viva a memória destes homens e mulheres é "megalomania".

Muitos dos inventos que temos ao nosso redor foram criados por russos, dentre os quais a televisão, o helicóptero e até o Pentium que talvez torne o seu computador apto para rodar este blog (ele é uma melhora de um processador soviético feito por um cientista soviético que foi para a Intel). Li outras coisas sobre a Rússia, por exemplo pessoas se queixando que lá "ninguém fala inglês" (por que as pessoas tem essa mania de achar que é Meca que deve ir até Maomé?), e algumas até piores, sobre "serem um povo rude" e até mesmo sobre serem um "povo racista". 

Enfim, antes de ir à Rússia ouvi todo tipo de propaganda negativa sobre o país, ainda criança, me recordo como vi a seleção russa de vôlei vencer o Brasil e perguntei a uma senhora: "o que faz a seleção russa jogar tão bem?" A senhora me respondeu: "É que se elas não jogarem bem, o técnico corta o dedo midinho delas?" Aquilo ficou na minha cabeça! Como é possível que um povo demonstre tamanha rudeza? Ou esse povo é muito ruim ou há muitas mentiras sobre a Rússia. Tomei então a decisão de ver a Rússia com os próprios olhos numa das épocas mais extremas do país, o "general inverno", e compartilho com os leitores desse blog toda a experiência de alguém que foi a esse país sem qualquer preconceito, embora com dúvidas, mas sobretudo, sem uma espada!1 Este blog visa servir mais como um guia de viagem para o país que sediará a Copa do Mundo de 2018, servindo também de racunho para meu livro.


1- Referência à citação de Alexander Nevskiy, príncipe e santo ortodoxo que repeliu os cruzados suecos e os cavaleiros teutônicos: "Aquele que vier a nós com uma espada, pela espada perecerá"