sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Um encontro de Fortaleza e Caxias do Sul, Rostov na Donu

Imagine se você pudesse criar sua própria cidade, tendo 1 milhão e 100 mil como limite populacional. Como você a faria? Muitos brasileiros ficam encantados com a limpeza e a beleza das cidades do Rio Grande do Sul, onde podem parecer ricos usando pomposos casacos indispensáveis no frio, ver cidades com ladeiras, o que é incomum nas cidades do Nordeste. Alguém de bom gosto acrescentaria alguns museus, e para deixar a cidade menos estressante, talvez uma avenida como a Beira-Mar, com um porto como praia da barra, mas sem os barcos podres e enferrujados. Bem, isso é Rostov na Donu (literalmente, Rostov sobre o Don, diferente da Grande Rostov), perto de Moscou.


Rostov é uma das cidades da Copa do Mundo de 2018, uma cidade bastante específica que a princípio impressiona pela sua beleza e pela sua rica história. Ela é considerada uma cidade jovem para os padrões russos, tendo cerca de 250 anos (Kazan, sede da copa, tem mais de 1000), e se muitos ouviram dizer que "São Petersburgo é a capital do norte", Rostov é considerada a "capital do sul", o "portão do Cáucaso", onde inicia-se a grande cordilheira de montanhas ao sul da Rússia, na qual está o Monte Elbruz, o mais alto da Europa, e onde moram povos milenares com uma cultura e aparência diferente do russo típico.

Em Rostov vemos uma arquitetura que reúne tipos germânicos, tendo sido a cidade fundada sob o império da tzaritsa Elizabeth, filha do tzar Pedro, o Grande, que fundou um império que tinha por modelo a Alemanha e a Holanda. Andando por ruas como a Bolshaya Sadovaya (Grande Sadovaya), vemos belíssimos prédios em estilo germânico e barroco, monumentos que nos contam a história da cidade, como um monumento ao cavaleiro vermelho Budyonniy, que libertou a cidade do Exército Branco, nos dias difíceis da Guerra Civil que seguiu à Revolução Bolchevique. Vemos um monumento à tzaritsa Elizabeth, dentre outros, além de um gigante livro onde pode-se baixar gratuitamente todos os clássicos da literatura russa com um app de celular. Os parques são verdes e limpos, e há os prédios mais importantes da cidade, como a representação da presidência da Rússia, além do antigo da antiga sede sul do KGB, hoje chamado FSB, sobre o qual ergue-se imponente o brasão do Estado soviético, período importante na história do país. Esse trecho lembra ligeiramente a cidade de Caxias do Sul, no RS, e talvez um pouco de Porto Alegre, há até nevoeiro durante o inverno, fenômeno incomum nas cidades da Rússia mais ao norte. Lembremos que, assim como ocorre em algumas cidades do RS, rodeadas de pampas, temos cidades cercadas por estepes, a versão russa dos pampas. A história de Rostov também foi palco de batalha da Guerra Civil de 1921 (como o Rio Grande do Sul foi palco de guerra civil), e da batalha entre os comunistas e os nazistas durante a IIGM, sendo a cidade libertada no dia 14 de fevereiro. Em muitos locais da cidade pinturas e monumentos marcam o grande orgulho dos russos e dos outros povos de Rostov por ter expulsado dela os nazistas, pinturas com a famosa fita georgiana, de cores laranja e negra.



Andamos algumas quadras, além da Grande Sadovaya e encontramos a rua Naberejnaya, isto é, "Litorânea", onde parece que alguém resolveu reunir num só lugar um pouco da Beira-Mar, do Hotel Marina Park e da Praia da Barra, quando ainda se podia passear tranquilamente naquele lugar. Vemos grandes navios de passageiros ancorados e eventualmente vemos passar por ali navios cargueiros. Imponente encontra-se à nossa frente o grande rio Don, famoso pelo romance "O Don silencioso", de Sholohov, pelos cossacos do Don, associação guerreira que por muitos anos defendeu as fronteiras ocidentais da Rússia e marcou a idiossincrasia do russo, tornando-se um estereótipo lembrado até pelo rei do baião, o grande Luís Gonzaga.


Os cidadãos de Rostov apresentam-se bastante joviais, sorridentes, em especial no dia em que o sol raiou forte, quando escrevemos essa reportagem. Em geral, nas cidades russas mais ao norte como Moscou e São Petersburgo, há muitos comentários positivos sobre os russos sulistas, sobre sua jovialidade, sobre a sua alma aberta e amistosa, mais do que em outras cidades russas. Se no Brasil o sul é sinônimo de frio, na Rússia ele é sinônimo de calor, e de pessoas com um caráter mais caloroso, como a fotógrafa que ilustrou a nossa reportagem, que tem um site onde posta fotos da vida cotidiana, encontrando em mim um modelo totalmente incomum, um brasileiro no sul da Rússia, algo que não se vê todo dia, mas que certamente, e por muito tempo, fará parte do cotidiano da capital do sul da Rússia, sede da Copa 2018, cujas obras já estão em andamento!







segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Uma opinião sem suspeitas

Para algumas pessoas, não se pode pensar nada positivo sobre a Rússia, pode-se (e deve-se) apenas atacá-la e difamá-la. Assim, se alguém tem uma boa experiência na Rússia e expõe isso publicamento, como faço no blog, esse deve estar preparado para os comentários mais estranhos. Lembremos do próprio Graciliano Ramos, um grande inspirador desse blog, autor do livro "Viagens", sobre sua viagem à União Soviética, quando no final ele ironiza os futuros críticos de seu livro, "aquelas crianças que te abraçaram eram apenas atores do partido comunista", "eles sorriam por medo de serem reprimidos pela polícia secreta de Stalin", etc... O tempo passou, mas nada mudou, hoje em vez da "polícia secreta", "dos atores do partido" são outros estereótipos igualmente falsos, "os russos são bárbaros selvagens", "cara, você vai pra Rússia, você ficou louco?", "os russos perseguem esses, ou aqueles, etc.

Geralmente algumas pessoas levantam os seguintes argumentos quando falam que sou bem recebido e tenho um ótimo relacionamento:




"Os seus amigos são comunistas"


Não é verdade, dentre os russos com quem tenho amizade ou qualquer proximidade há pessoas de diferentes visões políticas, inclusive alguns que pretendem morar no ocidente.


"Eles te respeitam por que sabem que você gosta da Rússia"


Em parte isso é verdadeiro, e esse aliás é um grande ponto positivo do povo russo. Eu vi durante a Copa de 2014 brasileiros se humilhando em frente a americanos para ganhar uma bandeira dos Estados Unidos (e não ganharam), se uma pessoa fala inglês no máximo um americano ou britânico vai dizer que você fala bem a língua, o mesmo para um alemão ou um francês, mas se você fala bem o russo há uma enorme chance dele te dar um abraço e chamar você para jantar, almoçar e passear, e provavelmente fará questão de pagar tudo pra você. Isso se chama "hospitalidade", entretanto essa tradição independe de você gostar ou não da Rússia. Um russo que hospeda estrangeiros me contou sobre um polonês que veio à Rússia "só pra ver como o país não prestava", e achou um tanto estranho tal turista. 

Os brasileiros que vêm à Rússia dividem-se em dois tipos, os que vem a negócios e os que vem por razões pessoais. Nesse último universo, certamente o mais comum são os curiosos, geralmente homens de 25 a 50 que em algum momento da vida assistiram ao cinema americano e ficaram curiosos sobre o "lado malvadão" (há de convir que a Rússia, em parte, deve a Holywood pelo turismo), e os famosos "studyenty", isto é, os universitários, pessoas que vieram à Rússia cursar o ensino superior, devido aos baixos preços das universidades russas comparado com as particulares do Brasil.

Quase todos os brasileiros que tiveram contato com russos dizem o mesmo, que na Rússia foram recebidos melhor do que no Brasil. Eu não consigo imaginar um encontro não oficial, por exemplo, no qual eu vou à Paraíba e alguém faz questão de me mostrar à cidade e me chama para a sua sala de estar ou cozinha e faz questão de me servir chá ou comidas típicas. Isso acontece entre vizinhos, é verdade, ou familiares, e aqui na Rússia o russo é um potencial "vizinho" ou "familiar".

Posso citar além de mim a experiência da universitária Aline Veras, minha conterrânea de Fortaleza, que na cidade nordestina dirigia um círculo de literatura russa. Estudante da história do país, ela comenta que está gostando muito dos seus estudos em Moscou, entretanto comenta não ter conhecido um russo ainda, embora more na capital russa há um ano. É comum que em uma enorme cidade como Moscou, voltada para a correria e o capitalismo, as pessoas não tenham a mesma familiaridade de outras cidades russas, ou o espírito pró-turista de São Petersburgo, para sanar o problema passei o contato dela para alguns amigos que adoram brasileiros, residentes em Moscou. Embora Aline seja brasileira, ela passa despercebida em Moscou e mesmo é tomada por uma russa devido à sua aparência física, de pele bastante clara e cabelos claros.

Outra opinião é a da brasileira Rafaela, do Rio de Janeiro, residente na cidade de Volgogrado, antiga Stalingrado. Ela faz serviços voluntários na Rússia e comentou que trata-se do país onde foi melhor recebida. Eu vi como ela é tratada por dois amigos seus, Denis e Marina. Essa última fez questão de pedir a minha ajuda para organizar um passeio pelo Museu Panorama de Stalingrado, sobre a maior batalha da história da humanidade. Rafaela comentou e satirizou o ridículo desconhecimento e a ignorância de muitos europeus ocidentais sobre a Rússia, "mas você vai à Rússia?!", "que loucura", "o país é muito perigoso"... Rafaela comentava sobre uma câmera profissional que lhe emprestaram, sobre como ela ficou com medo de tomar emprestado por medo da câmera ser roubada. Os russos estranharam a opinião, e então ela explicou que no Brasil isso é praticamente imprensável devido ao crime. Na "perigosa Rússia" você pode sair com uma câmera, uma celular e até com um laptop aberto que as chances de um motoqueiro chegar apontando uma arma para você e levar o que você tem, como já aconteceu a quase todo fortalezense que conheci até hoje, são infinitamente mais baixas que no Brasil. A propósito, Rafaela tem um namorado norueguês e ficou na Rússia devido à expiração de seu passaporte no país viking

Igualmente interessante é a opinião do brasileiro Daniel Marques, que visitou Moscou por três dias. Inicialmente ele teve problemas, inclusive citando o caso de um hostel no qual o colega de quarto começou a fumar maconha, o que levou-o a sair, bem como devido aos funcionários que nada sabiam sobre Moscou. Conforme ele superou essa dificuldade, mudando de hostel. ele conseguiu ir a um encontro social no qual eu estava presente, conhecendo outros turistas, um russo e uma belíssima moça calmúquia, povo mongólico da Rússia europeia que professa o budismo. Jovial e brincalhão, ele começara a se interessar pelo país e pelas suas belezas, lamentando profundamente ter de passar apenas 3 dias em Moscou. Ele também elogiava as mulheres da Lituânia, país de sua namorada, comentando que "nunca no Brasil ele conseguiria arranjar uma namorada tão bonita sendo gordinho e careca". 


"Eles só gostam de quem puxa o saco deles"


Totalmente falsa. Há diferentes tipos de russos, entretanto praticamente todos eles têm algo em comum, gostam de conhecer pessoas de fora. Evidentemente que nem sempre um russo irá concordar com você, entretanto, caso não concorde um russo provavelmente irá evitar certos assuntos a fim de evitar choques muito fortes de opinião, mas certamente ouvirá atentamente ao seu discurso. 

Também é evidente que, como qualquer pessoa, logicamente um russo tenderá a dar mais atenção a alguém que se interessa pela sua história do que a alguém que não está nem aí. Vamos imaginar só, imagine só um senhor X da "República de Cocos" dizendo no Brasil que o país é uma porcaria. Evidentemente em qualquer lugar onde tal cidadão chegar, ele certamente será mal visto no país. Caso se trate de algum turista esnobe, como muitos americanos, notáveis no Brasil e fora dele como os indivíduos mais esnobes que já conheci, se ele não dá a mínima para os habitantes locais, se ele não se entrosa, logicamente ninguém irá tentar se entrosar com ele. Uma russa siberiana que conheci conta como numa praia no Brasil ela pediu um mapa da cidade, ao que a vendedora recusou, tomando-a por americana, ao saber que ela era russa e da Sibéria não só lhe deu o mapa como fez questão de mostrar aos seus amigos como teve o "grande prazer de conhecer uma moça da Sibéria" e como as pessoas se juntaram em grupos para tirar foto com a loirinha siberiana.


"Foi a primeira vez, depois eles se acostumam"


Claro que a tendência é que as pessoas se acostumem e você deixe de ser a novidade após passar algum tempo, mas quando se trata de amigos verdadeiros há enormes chances de você ter um relacionamento saudável por muito tempo.

É uma enorme tolice inventar "devoradores de homens" para justificar a sua própria ignorância e desafeto pessoal por um povo inteiro ou um grande país. A russofobia, ou melhor seria dizer "russofrenia" é uma doença maligna no ocidente que se desenvolve à medida que muitos ocidentais ingênuos ficam expostos a uma propaganda especificamente construída com o propósito de incitar o ódio contra a Rússia. Cabe a cada um ter o mínimo de bom senso.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Entrevista com participante de clube de arte marcial medieval russa



O descobridor da Rússia entrevistou alguns vityazy* que praticam a arte marcial medieval russa.

*Vityaz: cavaleiro andante da russa medieval (Rus).

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Dançando com os russos


Em minha viagem à Rússia tive a oportunidade de dançar um pouco uma dança típica conhecida como "kadril". Inicialmente, achei que se tratasse de uma "quadrilha", estilo a que temos no Brasil, ainda mais que a garota que me convidou esteve por um mês no Brasil, e foi graças a ela que conheci esse importante patrimônio cultural russo.

Com a minha amiga Katya conversava desde 2009, conhecendo-a pessoalmente na estação Partizanskaya, e indo até o salão de danças do Kremlin branco de Izmaylovo, aonde ela (de vestido e meias pretas no vídeo) me levou para conhecer danças típicas russas.

Conhecendo o interior de um apartamento russo


Um dia comum na Praça Vermelha com sol e neve

Cerveja na Rússia



Cerveja na Rússia, ao centro a "praguense" (de Praga), cerveja tcheca, e nas extremidades a cerveja FAXE, com a arte baseada na saga de Ragnar Locbrok.

Um presente inesperado



Ontem, ao ir a um restaurante no centro de Moscou deparei-me com um presente inesperado. Falando de moedas com uma caixa, ela mostrou-me a sua coleção e me presenteou com uma raridade, a moeda russa de 10 rublos de 2015, comemorativa dos 70 anos da grande Vitória sobre o fascismo.

Em 1945, a União Soviética recebeu a rendição incondicional da maior potência bélica da história, o III Reich, na noite do dia 8 de maio (9 de maio no horário de Moscou). Assim, encerrava-se a maior carnificina da história, a IIGM, com a libertação da Alemanha pelas tropas do glorioso Exército Vermelho soviético. Foi um dia de grande festa e hoje na Rússia, em todo dia 9 de maio celebra-se esse acontecimento. Assim, em 2015 foi instituída pelo Banco da Rússia uma moeda comemorativa, que agora faz parte da minha coleção.


Uma aula de português na Rússia


Nelson Mandela costumava dizer que quando você fala para um homem você fala para a mente dele, mas quando você fala para um homem na língua pátria dele, você fala para a alma dele. Na cidade de São Petersburgo pude ter uma experiência incrível, próximo da Estação Esportiva. Lá encontrei-me com a amiga de um aluno meu de russo, que ajudava a este com o russo e ela o ajudava com o português, os russos são geralmente muito comunicativos e não é por acaso que é a língua com a qual tenho mais fluência (embora domine melhor a gramática inglesa). Já estudei outras línguas como o italiano, o sueco e o alemão, mas conheci poucas pessoas dessas línguas realmente interessadas em ajudar ou fazer algum tipo de intercâmbio cultural, a impressão que alguém pode ter é que essas pessoas estão pouco se importando se você fala a língua delas, o que não acontece no russo.

Experiência parecida com a que muitos russos tem ao me encontrar no Brasil eu tive na capital do norte, quando uma moça chamada Yekaterina levou-me para conhecer a sua escola de português. Chegando lá eu não estava muito bem, mas o meu estado mudou rapidamente. Deparei-me com um professor que dominava muito bem o português e se o soltassem em São Paulo o tomariam facilmente por um paulista, fisicamente lembrando um conhecido meu, filósofo e jornalista. Ele estudara o português em Portugal, mas adaptara a sua fala para o português brasileiro, uma prática comum entre os russos que gostam de português, dado que infelizmente no Brasil dificilmente alguém fala corretamente (dói no juízo ouvir ou ler uma mulher com alto nível econômico-social falar "obrigado", com "o" no final).

A primeira impressão que tive do lugar me fez lembrar rapidamente uma cena do filme "Brat 2", onde o herói passa por baixo de alguns arcos de apartamentos em Moscou. Em São Petersburgo e Moscou, tive a impressão de que cursos de línguas sempre ficam depois desses arcos. Deparei-me então com a sala de aula, totalmente diferente das que vi no Brasil. Era um ambiente mais familiar, uma grande mesa, cadeiras ao seu redor, bombons de chocolate e chá. Os russos tomam muito chá, e isso talvez ajuda a explicar a beleza das mulheres da Rússia, refrigerantes são poucos consumidos e geralmente caros, é difícil ver uma russa com muitos quilos a mais.

Iniciada a lição, passei por uma entrevista com os alunos, onde falava sobre a minha visita a São Petersburgo e exaltava a receptividade do povo russo, falava sobre o meu amigo, um siberiano casado com uma americana que assim como eu trabalhava como freelancer, uma forma de trabalhar que tem sido adotada por muitos russos e que tem dado certo na vida de muitos. Após a entrevista, vamos para a redação, o momento mais curioso para mim. Soava um pouco divertido ver os russos falando de seu cotidiano em português, divertido por ser totalmente incomum. Os textos eram um pouco repetitivos, mas pareciam sinceros, basicamente falavam sobre como elas tiveram um dia difícil de muito trabalho (dentre as 4 alunas havia apenas um aluno), e um aluno falava exatamente sobre como ele sentiu saudades do Brasil e por isso resolver beber vodka, mas queria mesmo era beber cachaça e caipirinha para matar a saudade. O russo era grande e forte, ocupava-se com a academia e também estudava o português, além de trabalhar, uma pessoa bastante generosa, alegre, e que falava com entusiasmo do seu sonho de ter visitado o Brasil, ele descrevia o Brasil como uma "Rússia quente" e falava da Rússia como um "Brasil gelado", uma opinião muito bem formulada e com a qual em parte concordo. Na obra "Taras Bulba" lemos que "camaradas estiveram em outras terras, mas camaradas como na terra russa não há", e a Rússia é um país no qual não consegui de forma alguma me sentir fora de casa e na verdade, até o contrário, me senti bem mais a vontade na Rússia como me sinto ao ver que no metrô, por exemplo, há um vagão biblioteca, ao ver que mulheres bonitas podem falar não apenas de academia e suplementos, como também sobre grandes mestres da literatura universal.

Observando o entusiasmo dos alunos, não pude deixar de prestar atenção no conhecimento do professor não apenas da língua, como também da cultura brasileira. Todos os participantes daquela sala demonstraram todo um carinho especial da cultura brasileira e pelo idioma português que infelizmente deixa a desejar no Brasil. Ainda me lembro como durante a minha infância algumas pessoas ofendiam-se profundamente quando a minha mãe os corrigia. A Rússia é um país no qual posso dizer que há um significativo número de falantes de português, especialmente se levarmos em conta a distância da Rússia e do Brasil, as diferenças culturais, clima... Em Moscou conheci um russo que conhece os clássicos de Jorge Amado e os leu não apenas em russo como em português, conheci três professores de capoeira dos urais, uma bielorrussa que conhece danças brasileiras, dentre outras pessoas conhecedoras da cultura local, autores brasileiros, expressões, etc. Para efeito de comparação, até hoje conheci uma americana e um americano que falavam o português, mesmo os nossos vizinhos latinos, tendo um idioma tão parecido, geralmente não falam bem o português. E o que falar de outros povos da Europa, que dificilmente sabem qualquer coisa de português? Para ser justo, já conheci um sueco interessado em português, dois alemães que se passariam facilmente por gaúchos, incluindo uma alemã capoeirista, uma suíça que domina perfeitamente a língua e um francês e um belga que não apenas falam a língua como também praticam a capoeira. Na Rússia já conheci pelo menos 30 falantes de português, desde pessoas de Moscou até o Extremo-Oriente, e com uma certa frequência recebo pedidos de aulas na rede social russa VK. Não raros são os que sozinhos aprenderam a língua.

Desde o meu primeiro contato com russos falantes de português percebi que para muitos o Brasil é para o russo o que o México é para o Brasil, qual brasileiro nunca assistiu Chaves ou alguma novela mexicana? Muitos russos, especialmente aqueles com 25 anos ou mais tiveram o seu primeiro contato com a cultura brasileira a partir das boas telenovelas dos anos 90 ou 80, mas que infelizmente perderam a qualidade na década de 2000 em nome da mercantilização e de temas escandalosos que ofendem os povos. Uma amiga da Sibéria me fala com entusiasmo de seu amor pelo Brasil, onde esteve mais de uma vez, mostra-me a sua capa de celular com o Cristo Redentor e sua canga de praia com a bandeira do Brasil. Alguns amigos também ficam contentes em saber que o Brasil tem uma presidente com sobrenome eslavo.

Mas voltando às telenovelas, esse conhecimento do Brasil através delas também tem o seu lado negativo. Muitos russos criam ideias completamente erradas de como é a vida no Brasil, acreditando que todo pobre no Brasil mora em uma casa de classe média, como aparece nas novelas de certa emissora, na qual as favelas mais parecem ter sido importadas da Noruega e tudo se passa em torno da praia do Leblon. Além disso, tal como muitos não-russos pensam que a Rússia se resume a Moscou, muitos russos acham que o Brasil se resume ao Rio. São problemas que cabe a cada um de nós, de diferentes regiões, solucionarmos mostrando o que há de melhor em cada região. Por isso sempre que posso venho com o meu chapéu de cangaceiro, minha cuia de chimarrão e falo das nossas tradições de diferentes regiões do Brasil. Cabe a cada um de nós mostrar onde nós estamos no mapa e deixar que os russos por si só tirem suas próprias conclusões!