quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Um dia com pessoas incríveis

Em postura de pose com os seis pintores e desenhistas que me retrataram.


Rumo ao Hermitage?


Pinturas sempre foram a inspiração de grandes romances. "O retrato de Dorian Gray" se tornou um romance famoso do britânico Oscar Wilde, sobre um homem que se tornou eternamente belo com o preço de jamais ver o seu retrato pintado, que envelhecia com o tempo, ao contrário do real personagem. O personagem de Oscar Wilde seria retratado em pelo menos vários livros e peças de teatro.


Como já foi dito em inúmeras postagens desse blog, a Rússia é um país de grandes artistas, pintores, desenhistas, escultores e outros. E a cidade de São Petersburgo, por reunir incríveis edificações e pontos históricos e turísticos em um só lugar é a inspiração para artistas de toda a Rússia desenvolverem a sua capacidade artística. Foi assim que conheci Marina, uma moça de Togliatti que veio a São Petersburgo desenvolver sua capacidade artística e resolver problemas familiares, em um grupo da rede social VK. Ela desejava conhecer um rapaz para desenhá-lo e recebeu uma enxurrada de pedidos, afinal, que rapaz não quer ter a honra de ser desenhado por uma bela jovem?

Conquanto a agenda de Marina estava superlotada, ela deu o meu contato a uma amiga sua que dirige um clube de pintura, esta me convidou para comparecer ao seu estúdio e postou duas fotos minhas afirmando que "teríamos agora um personagem belo e ilustre, um português". Eu a corrigi dizendo que era brasileiro. Para a minha surpresa, eu não apenas seria pintado, como seria pago para tal! Não vou negar que tal experimento faria com prazer até gratuitamente.

Após 1 hora de pintura
A experiência de ser desenhado não era totalmente nova, na escola pelo menos três colegas se arriscaram a tal e o resultado não foi mal. Ainda, em uma rede social de webcams, tive um avatar (retrato) desenhado, a qualidade me surpreendeu, considerando que foi feito com um mouse em pouco tempo. Mas agora seria diferente.

Ao sair do metrô Ilha de São Basílio (Vassileostrovskaya), me dirigi a um lugar incomum. Entrando no lugar, indicado por eletricistas, percebi uma multidão calada, fui perguntar algo e pediram silêncio, então percebi que se tratava de um filme que gravavam no lugar. Não era a primeira vez que eu presenciava a filmagem de uma película, algo que jamais havia visto na vida no Brasil. Me dei conta de que ficava no prédio ao lado, onde me deparei com Oksana, uma russa muito simpática do sul da Rússia que mora em São Petersburgo. 

Na sala me foi oferecida uma cadeira, eu teria que nela sentar por 3 horas para ser pintado de diferentes ângulos por... 6 pintores pintores e desenhistas diferentes, dentre os quais uma universitária siberiana, um desenhista caprichoso petersburguense, uma senhora bastante talentosa, um desenhista bastante sério, uma russa que gostava de novelas brasileiras e música italiana e uma garota digamos... bastante estudiosa.

Uma vez que me desenhavam do busto para cima, eu podia movimentar tudo abaixo, não podia fazer movimentos bruscos e constantemente o desenhista caprichoso Dima mostrava-me o seu lápis e brigava com o branco de seu papel, a fim de gravar sua impressão. Uma das garotas mais interessadas era uma pintora siberiana muito simpática, com um belo sorriso, que deixou na tela traços de sua personalidade meiga e romântica. Ela desenhava com giz. Falávamos de meu trabalho como tradutor, do trabalho de pintor, sobre novelas brasileiras, Festival de San Remo, música americana e russa e dos povos que formaram o Brasil, incluso os canibais da Amazônia e por que devoravam seres humanos.


Ao final do trabalho, segui com uma das pintoras até o metrô, falávamos de seu trabalho e sobre o desejo de se encontrar novamente, já que faria uma longa viagem. Ela me contava sobre o Hermitage, no qual trabalhou na reprodução de obras de arte famosas, sobre como esse trabalho exige pelo menos seis meses! Me falava também de seu desejo de viver em São Petersburgo.

Se no Museu Oscar Niemeyer, de Curitiba, encontra-se o retrato de uma polonesa, será que um dia meus filhos e netos não terão o privilégio de ver no Hermitage ou algum outro museu um personagem exótico e diferente que apareceu para um futuro grande pintor como "O brasileiro"? Isso o tempo dirá! Mas que a sensação foi bastante relaxante, apesar das 3 horas numa só postura, disso a memória se recorda muito bem e traduz essa sensação para este blog!



Outono na Rússia

Aqueles que querem conhecer a Rússia devem ter em mente que o país encontra-se no outono no momento. Já não é mais quente como o verão, exceto em alguns raros dias com sol intenso, entretanto, só faz calor durante metade do dia no máximo, sendo as noites consideravelmente frias, a ponto dos próprios russos reclamarem. 

É recomendável usar em locais mais ao norte uma segunda pele acompanhado de camisa com manga. Se não quiser ter problemas na garganta ou ficar com o hálito ruim, usar uma "roupa de cima" (casaco, sobretudo, capa, manto...) é essencial. 

Uma das grandes belezas deste período é o "outono dourado", quando começam a cair as folhas das árvores em tom amarelado.

domingo, 4 de setembro de 2016

Cerimônia da separação das pontes

Acompanhada de música clássica e de uma grande multidão se dá a separação das pontes sobre o épico rio Nevá:


O festival afrorrusso de São Petersburgo

Essa semana, conforme já foi dito em outro artigo, um jovem afrobrasileiro de Minas Gerais pedia informações sobre os negros na Rússia, informação que chega ao ocidente completamente distorcida ou na melhor das hipóteses desatualizada! Esse blog dará a você informações QUE NENHUM OUTRO BLOG SOBRE A RÚSSIA É CAPAZ DE OFERECER!

Tzar Pedro, o Grande, e Ibrahim, quadro do pintor L. E. Feyenberg do Museu Estatal de Literatura de Moscou
Como já dito em outro blog, a ameaça neonazista russa foi neutralizada com o crescimento econômico, o fortalecimento da legislação russa e, ironicamente, com o triunfo do nazismo na Ucrânia, que levou o mais marginal dos cidadãos russos a rever suas ideias. Desse modo, ao contrário do que ocorre na Ucrânia, na Rússia o neonazismo passou a ser uma ideologia de marginais, sem respaldo em qualquer círculo social minimamente educado na Rússia. 

Com o processo de re-sovietização da Rússia em algumas esferas da vida cotidiana, muitos ideais soviéticos voltaram à tona, do hino soviético à forma como o russo lida com outros povos. Os manuais soviéticos, dentre os quais o "Breve curso de língua russa", da professora Nina Potapova, nos traz vários exemplos da amizade do povo soviético com diversos outros povos do mundo. O manual do Ministério da Defesa da União Soviética "Uchebnik russkovo yazyka", premiado com a Ordem da Bandeira Vermelha, manuais pelos quais o autor desse artigo aprendeu russo, trazem inúmeros textos sobre a interação do povo soviético com povos da África e da América. Se puxarmos exclusivamente a história russa, encontraremos ainda outros exemplos de relações dos russos com os africanos, por exemplo, no Palácio de Inverno de São Petersburgo (Hermitage), no qual havia uma "senzala" de causar inveja ao mais esnobe playboy. No Hermitage os negros tinham a sua própria sala, e diferente dos seus parentes do Brasil, no Império Russo eram considerados "servos de luxo" e tinham uma vida mais confortável do que os servos russos. Pedro, o Grande, teve um afilhado negro, Ibrahim, avô do maior escritor da história russa, Pushkin, descrito na obra "O negro de Pedro, o Grande".

Seguindo essa tradição, sem esbarrar no mal visto conceito ocidental de "tolerância" (toleranstvo), mas de encontro ao conceito russo de "transigência" (terpimost), a cidade russa de São Petersburgo demonstra a sua transculturalidade no festival conhecido como "Afrofest". Esse evento se dá na mesma cidade que comemora o festival "A lenda dos vikings da Noruega", dando ao turista ou ao morador da cidade a oportunidade de viajar do norte ao sul cultural, dos variegues aos bantus.

Os jornais ocidentais por muito tempo noticiaram casos de ataques a negros na Rússia, crimes bárbaros de extremistas racistas, mas estranhamente silenciam quando a Rússia promove um festival que visa a celebração da amizade russo-africana e da riqueza cultural da África como jamais visto em parte alguma do mundo.


A minha visita ao festival afrorrusso se deu no último dia (como no festival variegue), soube dele por acaso por meio de um amigo de Moscou (a maioria dos meus amigos russos é de Moscou e outras cidades russas). Ao chegar à estação de metrô da Ilha de Santa Cruz (Krestovskiy Ostrov), deparei-me com um estilo arquitetônico bizantino, com mosaicos e colunas bizantinas. Ao chegar ao topo, deparei-me com um casal de universitários camaroneses, sendo a garota de beleza exuberante. Ambos falavam russo, além do francês com fortíssimo sotaque. Ambos foram generosos, como aliás a maioria dos negros da Rússia. Em geral, não é comum nas grandes cidades as pessoas se saudarem, mas isso é comum entre os negros, mesmo que você seja mestiço. Em inúmeras oportunidades, no metrô, quando vejo negros eles acenam com a mão, sorriem, por vezes vem cumprimentar ou falar comigo. A maioria dos negros da Rússia são universitários que estudam e voltam aos seus países e por vezes acabam ficando e montando uma família, muitos se integram à sociedade russa.

Saída da estação de metrô de SPb Ilha de Santa Cruz

Há cerca de 20 anos atrás, nos anos da loucura liberal de Yeltsin, ser negro na Rússia era muito perigoso, aliás, não só negro, como russo ou mesmo ser idoso, muitos conhecem as histórias dos "corretores negros", mafiosos que enganavam idosos. Hoje, como me relatou um afrorrusso de São Petersburgo, ser negro pode até garantir certas vantagens num clube noturno russo. Nos clubes da rua Lomonosov, por exemplo, eles sempre estão acompanhados de lindas mulheres! Nenhum rapaz lhes causava incômodo. Em mais de uma oportunidade vi pelas ruas moças negras andando de mãos dadas com rapazes russos. Entretanto, nem tudo são flores, ainda há pessoas que relatam a dificuldade para namorar estrangeiros, o que entretanto vai além dos negros, fator ligado a estereótipos que vêm das Olimpíadas de Moscou, quando nasceram muitos afrorrussos cujos pais voltaram para a África, deixando suas mães russas para "se virarem" como mães solteiras. Um amigo de Moscou comentava como todos os afrorrussos que conheceu não sabiam quem eram seus pais. Alguns russos também acham que se tiverem filhos negros eles não irão mais parecer com os pais, preconceito este que existe em toda parte, incluindo países como o Brasil e países não-brancos como Israel (um vídeo famoso na internet mostra como um sacerdote judeu exige de outros judeus que eles casem apenas com outros judeus). Relatos como esses já ouvi de universitários africanos de São Paulo e mesmo sobre uma famosa família de Sobral, interior do Ceará, onde prezam por "pureza de sangue".

Ao chegar no festival num país onde mais de 99% de sua população não é negra, me deparei com algo que jamais vi no Brasil, um festival dedicado à cultura africana! Não estou falando de encontros de pequeno porte numa universidade ou num centro Zumbi dos Palmares, mas de um evento de grande porte num dos pontos mais famosos de São Petersburgo, a Ilha de Santa Cruz, onde está o Parque da Vitória do norte da cidade. Havia feira de roupas africanas, livros sobre a história da África, um grande palco onde uma banda russa e depois DJs africanos tocavam música africana, além de belíssimas exposições de fotos que ilustravam os trajes típicos e a beleza de representantes de Angola, Costa do Marfim, Senegal e outros países do oeste africano. Infelizmente, não percebi nada relacionado a países como a Etiópia, certamente pelo fato deste país ser isolado no continente africano. 

Garota observa o discurso de encerramento, próximo de uma exposição de fotos de africanos em trajes típicos
Junto aos africanos havia também russos que conheciam os rapazes e moças da África, dançavam zuk (dança africana bastante praticada na Rússia) e havia também um palco onde os organizadores do evento premiavam diplomatas africanos, fotógrafos russos em trajes africanos, etc. As russas são as únicas europeias que conseguem dançar como as brasileiras que vi até hoje. Num vídeo onde a cantora brasileira Bellini dança "Samba de janeiro", canção animada famosa na Europa, mas desconhecida no Brasil, um grupo de dançarinas faz movimentos robóticos. Na Rússia, como me diz um amigo professor de dança, baiano, as russas em nada ficam a dever às brasileiras na hora da dança!



Será que notícias assim saem em jornais ocidentais? Impossível imaginar isso, afinal, no ocidente russos só podem ser publicados de forma negativa, só podem ser vaiados, nunca aplaudidos, mesmo quando promovem aquilo que não é promovido num país onde 51% da sua população é negra.

A nossa matéria comprova que o mito de que "os negros são odiados na Rússia" não é nada mais do que um mito. Claro, como em qualquer parte do mundo há diferentes pessoas, mas o mais importante é perceber que o Estado russo não promove a chacina de negros como as polícias do Brasil e dos Estados Unidos, do contrário, em geral os policiais russos são bastante educados e prestativos, assim como o povo da Rússia. Os mitos negativos criados sobre a Rússia tem como fim apenas isolar o país e promover o ódio, a russofobia, e temos que lembrar que não foi o fascismo que criou o ódio, mas o ódio que criou o fascismo, e é dever daquele que testemunha o cotidiano na Rússia escrever a verdade sobre este rico país!