sábado, 25 de novembro de 2017

O entusiasmo dos brasileiros com a Rússia

Viajantes de todo o mundo visitam a Rússia todo ano. Depois que São Petersburgo foi declarada "o melhor destino turístico de 2016" o número de visitantes da Veneza do Norte parece ter aumentado. Com a Copa das Confederações, as comemorações do jubileu da Grande Revolução Socialista de Outubro e a chegada da Copa do Mundo de 2018 um novo tipo de visitantes aumentou significativamente em várias cidades da Rússia, os brasileiros.

Eles não tomam água gaseficada, nem sempre tiram o chapéu durante as refeições e nem tirariam as roupas de cima se não fossem alertados, fruto das condições brasileiras, sob as quais o frio de +5 e até de -3 graus desconhece qualquer sistema de aquecimento como nas cidades da Rússia. Os brasileiros que vêm à Rússia são frequentemente pessoas muito cultas que leram Dostoyevskiy, Lenin ou Tolstoy, visitaram grandes metrópoles como Londres, deram uma olhada no Louvre ou em alguns casos jornalistas e artistas em busca de inspiração, cineastas que conhecem filmes que nem sempre jovens russos conhecem, como as obras cinematográficas de Einsenstein e Tarkovskiy. É claro que há aqueles brasileiros que estão há um tempo integrados na população da Rússia, em geral universitários que cursam medicina, ciência política ou em alguns casos engenharia, a maioria deles do sul e do sudeste do Brasil.

Muitas coisas surpeendem os brasileiros que vêm à Rússia, geralmente coisas impressionantes que nem sempre os russos sabem apreciar. Recordo-me quando certa vez, quando estive na estação Kievskaya do metrô de Moscou pela primeira vez, admirado com o palácio subterrâneo, perguntei a uma garota russa o que ela sentia quando passava pela estação, esperei que ela falasse de seu deslumbre pelo efetivo sistema de transporte, ou talvez que se sentia feliz de desfrutar as belezas daquele palácio telúrico que retrata a história do povo da Ucrânia, porém, a garota afirmou que "não sentia nada". Uma heresia!!! Foi tudo que pude pensar! Foi como perguntar a alguém que vê diariamente um Michelangelo ou um Da Vinci e "não vê nada demais". Algo parecido ocorreu ao perguntar a uma russa que vive em Paris o que ela sente ao pisar na Praça Vermelha, a garota apenas me afirmou que "sente frio". Uma cena digna de uma anedota! Sim, sei que o leitor ou mesmo algum russo que lê nossa versão em russo talvez diga "eles vivem lá, logo para eles é comum, se acostumam", porém, em São Petersburgo é muito comum ver pessoas que, mesmo tendo nascido na cidade, não se cansam de expressar a sua admiração e entusiasmo com a cidade. São Petersburgo é talvez a única cidade da Rússia cujos habitantes nativos postam em seus perfis de redes sociais fotos com pontos turísticos da cidade.

De fato, o sentimento que muitos brasileiros têm pela Rússia é algo digno da atenção desse artigo. Antes de qualquer sentimento específico pela Rússia, para muitos brasileiros as maravilhas do Mundo Russo são antes de tudo maravilhas da humanidade. Samantha, engenheira catarinense, que veio à Rússia com a sua mãe em 2017, sugeriu de pronto que além de São Petersburgo visitassem a cidade de Moscou, pois "ir à Rússia sem visitar o Kremlin de Moscou é como ir à China e não ver a Grande Muralha". Apesar dos seus espasmos, quase uma tragédia em meio ao frio congelante da Praça Vermelha, a engenheira catarinense nem assim perdeu o seu encanto com as monumentais muralhas moscovitas. A mãe de Samantha surpeendeu-se por não ter visto uma única pixação em quilômetros percorridos por Moscou e São Petersburgo, bem como a quase ausência completa delas pelo metrô de São Petersburgo. A brasileira Rafaella, que conheci em Volgogrado, que preferirmos chamar pelo seu nome histórico, reconhecido até no metrô de Paris, Stalingrado, encontrou uma atmosfera bastante familiar enquanto visitava a Rússia, vinda da Noruega, onde morava o seu namorado. Ela não só conheceu dois russos falantes de português como os seus estudantes e um lugar cheio de sofrimento, mas também de glória, o Panorama de Stalingrado, que conta ao visitante sobre os principais momentos da maior e mais sanguinária batalha da história da humanidade, a Batalha de Stalingrado. Nela nós conhecemos os incríveis atos de sacrifício e mesmo de auto-sacrifício do povo da União Soviética em sua batalha contra o fascismo do III Reich. No Panorama de Stalingrado podemos conhecer também a história dos comandantes da batalha e daquele que conduziu o povo soviético à grande vitória, Iosif Vissaryonovich Stalin. No Panorama de Stalingrado o autor deste texto com grande orgulho viu com os seus próprios olhos a gloriosa Espada de Stalingrado, entregue ao povo soviético pelo premier Winston Churchill, presente do rei da Inglaterra George VI. A espada, que na cultura britânica é por excelência a arma dos cavaleiros, reconhecia a galhardia dos defensores de Stalingrado, uma vitória do humanismo sobre o racismo.

A carioca Rafaella Protásio expressa a sua admiração pelo lendário tanque da libertação T-34 em Volgogrado
Na cidade de Volgogrado, o cearense Pedro, bancário, conheceu Marina e Denis, também amigos de Rafaela, ele teve a grande honra de visitar o Kurgan de Mamayev, sobre a qual ergue-se um colosso andrógeno quase desconhecido, maior que o Cristo Redentor, o monumento A pátria mãe chama. Mesmo as ideias de direita não impediram Pedro de visitar Volgogrado, atraído pela história da épica Batalha de Stalingrado, sobre a qual ouviu falar em filmes como "O círculo de fogo". Ele conheceu as comemorações do Dia da Vitória, conheceu veteranos, mas o deslumbre de Pedro se desfez quando, ao ler as notícias do Ocidente, ele encontrou nas manchetes "Rússia ameaça o mundo com suas novas armas". Pedro me contou de seu inconformismo com a imprensa ocidental, que tenta a todo custo e pelos mais torpes métodos possíveis demonizar e espinafrar a imagem da Rússia. Com o autor do blog Russificando Pedro ensaiou a canção "Svyaschennaya vayna" (A guerra sagrada).



Os brasileiros que visitam a Rússia são pessoas muito diferentes. Em São Petersburgo encontrei na livraria Dom Knigi Cláudia, uma brasileira de Belém, norte do Brasil, que falava sobre o seu encanto com a cidade de Moscou. Um estudante de um curso de especialização, Henrique, desejava ir até o Daguestão, porém limitou-se a São Petersburgo. Suas palavras descrevem exatamente a impressão que muitos brasileiros têm da Rússia, "normalmente, diz-se que o céu é um lugar pacífico no qual reina a tranquilidade, estamos aqui vendo um padre ortodoxo tocar e cantar, num evento aberto para todos, na Catedral de Nossa Senhora de Kazan, estou aqui, jamais estive no céu, mas ousaria dizer que o céu é parecido com tudo isso". Muitos que vêm do Ocidente convivem no cotidiano com uma realidade difícil, seja fugindo das balas da polícia, seja das balas do tráfico, seja acordando com corpos largados e ensanguentados em frente às suas casas, cercadas muralhas vigiadas por sentinelas, cães ferozes, uma cena que faz lembrar uma prisão de segurança máxima na Rússia. Sim, muitos brasileiros, atormentados pelo terror do crime organizado e da corrupção policial, para garantir a sua integridade e de tudo aquilo que conquistaram com o suor do seu trabalho são obrigados a se tornaram prisioneiros de suas próprias residências. Às vezes blindam seus carros. Sempre existe o risco de que ao voltar de casa à noite encontrar, em suas próprias casas esperando por eles, bandidos usando balaclavas, prontos para prender, torturar e fuzilar famílias inteiras sem qualquer laivo de piedade, e depois queimar seus corpos em meio a pneus de caminhão. Esses extremistas, que não gritam lemas e pertencem ao movimento extremista de nome tráfico disseminam o terror em uma guerra civil invisível que a cada ano ceifa 60 mil vidas no Brasil (mais que o conflito no Donbass). A consciência desses criminosos foi destruída por pelo menos 5 quilogramas de cocaína. Assim, na Rússia, muitos brasileiros encontram aquilo que não têm em seu próprio país, a liberdade!

O Instagram Mondayfeelings, criado por um casal de São Paulo, descreve seu entusiasmo com a Catedral de São Basílio
A Rússia é mostrada aos brasileiros pelas lentes do cinema americano como uma terra de pessoas agressivas, extremistas, xenófobas, porém essa não foi a impressão que teve uma família que encontrei por acaso na Avenida Nevsky. O seu sotaque e aparência italiana denunciavam a sua procedência paulista. Um casal de executivos que decidiu viajar o mundo e escrevia suas impressões no Instagram "Mondayfeelings" (sensação de segunda-feira) apresentou-me o pai que viajava com o casal, ele falava sobre como a impressão que teve da Rússia era totalmente diferente daquilo que lhe foi mostrado na televisão e nos filmes americanos e europeus. O casal descreveu a Praça Vermelha com grande entusiasmo em seu perfil do Instagram, no qual descreveram a grandiosidade de seu encontro com a Catedral de São Basílio.

Os interesses brasileiros podem ser os mais diversos, o agrônomo Dorival, por exemplo, do Nordeste do Brasil, deixou logo claro que não tinha interesse em ver igrejas, mas sim o solo. Ele desejava visitar a Rússia, Belarus e Ucrânia para ver a beleza das "terras negras", o tchyornozyon, sobre o qual os brasileiros mais educados ouviram falar no romance de Lima Barreto "Triste fim de Policarpo Quaresma". Dorival me ensinou a prestar atenção em algo para o qual eu jamais havia atentado, isto é, o solo russo. Diferente do brasileiro, ele é sempre preto, é considerado por agrônomos e geólogos como muito rico e propício para a agricultura.

A deputada federal pelo estado do Piauí, Iracema Portela, esteve presente num encontro internacional parlamentar que tratava de temas como a liberdade e o diálogo religioso com representantes de religiões do mundo inteiro. Ela manifestava o seu entusiasmo com a beleza do Hermitage. Embora tivesse planejado apenas alguns minutos, por pouco a agenda não foi quebrada, tamanho foi o entusiasmo com as obras do Palácio de Inverno. Com outros brasileiros, este que vos escreve foi até mesmo à... prisão! Em visita à Prisão de Trubetskiy, um grupo de brasileiros ficou surpreendido com a idade dos jovens rebeldes russos condenados à forca por atentar contra a vida do tzar e de seu autoritário regime, como também surpreenderam-se com as celas de nomes como Maxim Gorky, Alexander Ulyanov (irmão de Lenin) e de Trotsky.

O brasileiro Armando Ribeiro veio para a comemoração do Centenário da Revolução Russa junto a centenas de comunistas, muitos fizeram uma poupança durante anos para vir à Rússia no aniversário dos 100 anos da Revolução de Outubro. O acontecimento mudou completamente a forma de ver o mundo no século XX, ela guilhotinou o "culto dos parasitas de sangue azul" para construir uma sociedade solidária, baseada em princípios humanísticos e em ideias de igualdade e oportunidade para todos. A Bíblia cristã afirma que todos foram criados iguais por Deus, ela acabou com a concepção de povo escolhido e afirmou que "era mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico ir para o reino do céu". "A Revolução foi o acontecimento mais importante do século XX", afirma Armando Ribeiro citando o historiador Hobsbawm e o filósofo Michael Lowy, filho de um metalúrgico que foi brutalmente torturado no período mais autoritário do Brasil, doutor em letras. Enquanto eu contava a Armando a história de Zoya Kosmodemyanskaya e de Matvey Kuzmich, na estação de metrô Partizanskaya, em Moscou, o brasileiro pediu-me que tirasse uma foto junto aos monumentos dos Heróis da União Soviética. Enquanto eu preparava a câmera, Arnaldo, em seu longo casaco negro, fez questão de ajoelhar-se ante os heróis cuja galhardia contribuiu para livrar Moscou das hordas do nazismo. Armando demonstrou grande entusiasmo com os metrôs de Moscou e de São Petersburgo, muito melhor seria a Rússia com 1000 Armandos do que com a patricinha russa do metrô Kievskaya. O encanto de Armando com o metrô Kievskaya, que retrata a beleza e as cores do povo da Ucrânia soviética dentro de alguns instantes deu lugar a sentimentos contraditórios, sobre como um grande país do passado acabou dando lugar a um país do presente tomado pelo ódio e pelo extremismo. Ainda assim, não desapareceu o encanto de Armando com o metrô Kievskaya.

Armando Ribeiro presta a sua homenagem à heróica Herói da União Soviética Zoya Kosmodemyanskaya, no metrô de Moscou
Às vezes, quando vejo situações tão contraditórias, penso que os governos do Brasil e da Rússia deveriam fazer um acordo, enviariam uns 10 milhões de russos esnobes filoeuropeus para uma favela no Brasil, onde aprenderiam sobre o que é entrar em um transporte público quente, fedido superlotado, onde aprenderiam sobre o que é correr dos tiros de fuzis e metralhadoras do tráfico e da Polícia Militar, ou ainda sobre pagar por um transporte público caro, ineficiente e desconfortável, e enviar alguns 10 milhões de brasileiros para a Rússia, tenho certeza de que esses fariam de tudo para não voltar e felizes com o país teriam muitos filhos e formariam famílias. Muitas vezes é preciso provar o que há de mais amargo possível para entender o que é doce. Os russos têm razões de sobra para viverem sorrindo muito mais do que qualquer brasileiro, pois esses vivem em um país incrível, que como outros tem seus problemas, mas muito menos do que aquele no qual 20 milhões não sabe ler, não tem acesso à água, esgoto, à educação e mesmo assim na mais intensa miséria encontra algum prazer na vida. Cidades como São Petersburgo, cheia de belezas monumentais, para muitos a mais bela cidade da Europa, convive com a triste estatística de recorde de suicídios. Os russos, sejam os seus políticos, escritores, pedagogos, filósofos, artistas... carregam consigo uma missão essencial que o autor deste texto apresenta como um objetivo máximo que poderá transformar a Rússia pelos próximos anos, que é destruir a melancolia, para os quais tantas pessoas demonstram predisposição, ela é um um inimigo do povo que merece ser jogado para os porões da Lubyanka, enviado para o GULAG do esquecimento e fuzilado, assim, os russos terão uma vida melhor e aprenderão a amar tudo aquilo que representa não só para a Rússia como para o mundo a grandeza do país!

O encanto de Armando com a Rússia em muitos momentos me fez lembrar dos meus primeiros dias no país. É preciso guardar essas sensações no melhor lugar do subconsciente e usá-las tal como narcótico, saber ser grato por aquilo que conquistamos e que encontramos ao nosso redor num país rico e cheio de cultura. O brasileiro de Minas Gerais prometeu regressar com a sua namorada, comunista convicta para a qual Iósif Stalin foi "o melhor pedagogo", campeã de Body Building e segundo lugar no concurso de Miss Bikini. O brasileiro Thales Bandeira, médico, que certa vez chamou a atenção do professor de medicina devido ao sobrenome, agradeceu à Rússia após sua partida definitiva.


O ano de 2018 será o ano em que provavelmente a Rússia terá mais visitantes brasileiros do que em toda a sua história, pois no Brasil futebol é religião, um brasileiro pode não saber qual é o seu santo protetor, porém ele sempre saberá qual o melhor jogador do seu time, ele poderá não saber os dias de jejum, porém saberá os dias do jogo do seu time, poderá não saber o porquê da arquitetura ou das cores da igreja onde foi batizado, porém saberá as cores do seu time, quantos títulos ganhou, as melhores partidas, terá um uniforme do time, ainda que uma imitação, ele poderá não saber de nada da história de sua cidade ou de seu país, porém saberá tudo (ou quase tudo) sobre o seu time e sua conversa geralmente se dá a respeito das partidas de seu time. 

Como disse certa vez um turista russo no Brasil durante a Copa do Mundo de 2018, futebol é festa, e essa festa provavelmente será inesquecível para os brasileiros na Rússia, um momento único em que os brasileiros saberão que a Rússia é diferente de tudo aquilo que a mídia do Ocidente fez tanto esforço para mostrar de forma distorcida e deformada. Se Paris e a França se tornaram um lugar comum na massa de mira da crítica dos brasileiros que viajam pelo mundo, certamente a Rússia, dentro de algum tempo, se tornará um lugar comum na conversa dos melhores brasileiros que buscam os melhores destinos!

terça-feira, 21 de novembro de 2017

Clube literário tem início em São Petersburgo


Hoje, na presença de Cristiano Alves, autor do blog Russificando, Bela Yevloyeva, professora de literatura e do cineasta e jornalista Dmitriy Tyotkin, teve início o clube literário Knijniy Prospekt (Avenida dos livros). O projeto, iniciativa de Cristiano, visa apresentar e discutir a biografia e as obras de autores que marcaram diferentes épocas da literatura russa.

A literatura russa é considerada universal, seus autores são considerados uma referência em todo o mundo, alguns ainda pouco conhecidos no Brasil, como por exemplo Bulgákov, muito lido na Rússia. O objetivo do projeto é aumentar o interesse na literatura russa, abstrair lições de seus clássicos e fomentar o interesse na língua russa. O projeto contou com a participação de leitores do Brasil, Rússia, México e suscitou o interesse de uma leitora dos Estados Unidos, todos unidos por algo em comum, a grande língua russa!