segunda-feira, 27 de abril de 2015

A bétula

A árvore conhecida como bétula (beryoza) é muito conhecida na Rússia. É possível ver grandes bosques de bétula na Rússia. No inverno elas se tornam totalmente brancas e suas folhas caem. Suas folhas eram em tempos antigos usadas contra o mau hálito. Também é um ótimo lugar.

A música "Bétula", aqui cantada pelo Coro do Exército Vermelho, pelo barítono Leonid Haritonov, fala sobre um passeio na floresta, quando os caçadores saíram, soltaram os cachorros que assustaram uma garota e ele a chama para cantar com ele no bosque, que é a maravilha de sua terra natal.

PS: Ganha um suvenir russo o lusófono que conseguir acompanhar! ;)



"Russkies siberianos"

Eu e alguns "russkies siberianos", e bem no meio a russa que queria que eu a fotografasse, em foto na Praça Vermelha
A Sibéria foi um lugar que sempre me despertou curiosidade na Rússia. Quando em 2014 surgiu pela primeira vez a possibilidade de ir à Rússia, essa viagem seria para a Sibéria, para a cidade de Yakutsk. Infelizmente isso não foi possível por que na época eu ainda não tinha passaporte para ir à Rússia. Foi uma pena, pois na Sibéria tenho um amigo que conheci na Copa e uma lindas amigas, 3 agentes da imigração do aeroporto internacional que agora estão espalhadas pela Rússia e uma médica yakútia (um dos povos de olhos puxados que fazem parte da Rússia). Em geral é muito fácil fazer amizade com russos ou russas em redes sociais. Para efeito de comparação, no Facebook conheço apenas 3 a 5 americanos, quase sempre tomo um belo bloqueio se mando mais que três mensagens. Acredito que isso acontece por que por se tratar de uma cultura materialista, voltada para o consumismo, então geralmente as pessoas dos EUA estão mais interessadas em quem possa oferecer algum tipo de vantagem econômica, é minha opinião pessoal.

A Sibéria sempre me despertou uma enorme curiosidade, dela sempre ouvi falar por causa de uma famosa raça de cães, o "husky siberiano". Ao contrário do que muitos pensam, a palavra "husky" não se refere ao russo (russkiy), mas vem da palavra sueca "hus", assim "husky" é doméstico em sueco, e esse termo foi utilizado para falar do cão doméstico. Uma raça, idêntica ao lobo, oriunda da Sibéria, ficou muito conhecida no ocidente. Na Europa Ocidental também é comum a raça de gatos da Sibéria. Também é famosa a Sibéria pela sua paisagem exuberante branca, de gelo, neve e frio.

Um dos rostos da Rússia, uma siberiana típica descrita aqui, que autorizou que eu publicasse sua foto enquanto eu escrevia este artigo
Mas apesar de não ido a Sibéria, a Sibéria veio até mim enquanto eu caminhava de noite pela Praça Vermelha, "onde as coisas acontecem". Uma jovem russa pedia para que eu tirasse suas fotos, e receoso no princípio, atendi seu pedido, até ela vir até mim e dar o seu braço para que passeássemos. Então o fizemos, na companhia de seus amigos. Era um grupo de vendedores que veio de Novossibirsk para um curso em Moscou, todos muito divertidos. Fala-se muito bem dos siberianos na Rússia. Quando eu disse que era brasileiro, foi aquela mesma novela de sempre, eles não acreditaram, acharam que eu fosse algum tipo de tártaro por causa da minha fluência e familiaridade com o idioma, até eu provar mostrando o passaporte. Às vezes tem lá suas vantagens passar por estrangeiro. Para completar, nesse dia eu estava usando um puhovik (jaqueta estilo edredom), ficando ainda mais "russo modernizado". Então eu, brasileiro, acabei sendo brevemente seu guia na Rússia, em Moscou, que eles conheciam pela primeira vez. Me convidaram para com eles patinar, uma das melhores coisas para se fazer no inverno russo. Mas pelo horário tive que recusar (e eles também), então nos dirigimos até o metrô, onde nos despedimos.

Bustos para quem gosta da Rússia (e para quem a detesta)

Da direita para a esquerda (dourados): bustos de Lenin, Dzerjinskiy, Napoleão, Pushkin, Yesyenin, Lomonosov, Tsoy (roqueiro), Putin, Stalin, Nikolay II, Vysotsky, Lyermontov e até de Ostap Bender, o famoso personagem literário russo que queria levar centenas de russos para conhecer o Brasil. (O mais caro dos bustos sai por 1200 rublos, isto é, 67 reais hoje)


Na Rússia pode-se achar toda sorte de suvenires para vender, tem para todos os gostos! Tanto de personagens protagonistas da história russa quanto antagonistas. Assim, se alguém acha que a Rússia é uma droga e com Napoleão teria sido melhor, é possível achar sem muita dificuldade em Izmaylovo ou em na saída de uma estação de metrô um busto de Napoleão. Se alguém acha que sob Nikolay II vivia-se melhor, há um busto de Nikolay II à venda. Se alguém apenas é um admirador da obra de Dostoyevsky, há bustos dele, como de Pushkin. Há também bustos de Gagarin e de líderes soviéticos como Lenin e Stalin, assim como do líder russo Putin. Mas será raro achar nomes de figuras odiosas como Hitler, Yeltsin ou Gorbatchov. Lembremos que nem Hitler conseguiu destruir a URSS, mas Gorbatchov e Yeltsin conseguiram o que nem mesmo o nazismo conseguiu. 

Em mercados negro no estilo do porão do "Fascista" do célebre filme Brat 2, é possível sim achar coisas relacionadas a Hitler e ao III Reich com negociantes. Por se tratar de mercadoria proibida, geralmente custa mais caro e por isso no ocidente também é vendido mais caro.

Às vezes eu fico pensando em quanta dor de cabeça poderia ser evitada no Brasil se passassem a vender em mercados populares do Brasil pequenos bustos de Dilma, Lula, FHC, Marcos Pontes, Itamar Franco, Marighela, Médici, Prestes e Vargas. Já pensaram o quanto isso evitaria encheção de saco nas redes sociais e nas ruas?! 

Goncharov, o autor de Oblomov

Existe uma anedota que fala de um operário que certa vez foi fazer uma queixa ao patrão, numa padaria, e então ouviu desse "que "óvi" cara?!", "que "évi" cara?!", e depois o demite por causa de sua rebeldia. É evidente que se trata de uma piada de muito mal gosto e de teor absolutamente reacionário, mas ainda assim há um tom de comédia pela forma como o autor percebe os sobrenomes russos. 

Existe uma lógica para sobrenomes russos terminarem em "óvi" ou "évi", em realidade, o mais perto do verdadeiro som é "off" ou "yeff". Trata-se de uma forma de plural russa declinada. Assim como em português temos "Ferreira", em russo temos "Kuznetsov". Assim como em português "de Paula", temos em russo "Pavlov" (tônica na primeira sílaba). Tchaykovskiy, o nome do famoso compositor, vem de "Tchayka", isto é gaivota, que por sua vez é um sobrenome de origem cossaca. Mas quem foi esse Goncharov e seu romance "Oblomov"?

Goncharov foi um dos grandes escritores da Rússia do século XIX, um século de florescimento da literatura russa, de titãs como Tolstoy, Dostoyevskiy, Gogol e outros cujos trabalhos são desconhecidos ainda em língua portuguesa, muitos tornando-se conhecidos devido ao leão da tradução russo-português Boris Schneider. Goncharov, mesmo sendo escritor, ocupou um posto polêmico no Estado russo em São Petersburgo, na época a capital do Império, o de censor. Segundo alguns autores, graças a essa posição de Goncharov, escritor, foram publicadas obras polêmicas de autores como Dostoyevskiy, Turgenyev, Nyekrassov, Pisemsky, dentre outros autores. Ou seja, ele teria sido para a literatura e o Império o que Schindler foi para os judeus e a Alemanha nazista. Ele era um homem viajado, tendo ido até a safaris na África. Mesmo sendo nobre, ele foi um crítico ácido da nobreza russa, e sua obra prima, que vi pessoalmente em sua mansão, é um exemplo disso. 

Oblomov é uma crítica à nobreza russa do século XIX, seu personagem principal, de mesmo sobrenome, passa metade do romance em cima de sua cama, ele é apresentado como um personagem inerte, apático, autodestrutivo e preguiçoso.

Um fato que chama a atenção na biografia de Goncharov é que ele fazia parte da maçonaria, organização mundialmente conhecida. Ele é motivo de orgulho para a cidade de Ulyanovsk, cujo lema é "A capital culta", como José de Alencar é para Fortaleza, por exemplo, só que com muito mais destaque. Sua casa, assim como a de Lenin, a algumas quadras de lá, é um dos principais e mais belos museus de Ulyanovsk. Tive a oportunidade de visitá-la junto a um amigo que interessa-se por castanha-do-Pará e pretende importá-la do Brasil para vendê-la na Rússia. O mais interessante dele é que embora tire fotos extremamente sério é bastante sorridente pessoalmente.

- Galeria (clique para ampliar)


 Alguns manuscritos originais de Goncharov, dentre os quais o original de Oblomov
 Vista da sala de estar da mansão de Goncharov
A coleção de caixinhas (shkatul'ki) pintadas com a centenária técnica de pintura russa conhecida como "Palyeh", em razão da aldeia onde eram pintadas. No museu é possível conhecer como é praticada essa técnica, que leva mais de 3 meses para ficar pronta e é feita apenas na Rússia, trazendo temas do folclore russo. Digamos que ela está para a Rússia como a pintura em xilografia está para o Brasil.
 Com meu amigo Anton na casa de Goncharov, autor de Oblomov

Uma das salas da mansão e a espingarda de caça de Goncharov. Diria que pelo calibre abate até um urso polar! Um ponto que chama atenção na casa é a galeria de quadros de familiares e pessoas próximas do escritor. E algumas pessoas ficam espantadas quando percebem que em meu quarto possuo o meu auto-retrato, do "fotógrafo" Sony Timer, tirada no Sul.


Vista externa da casa de Goncharov. Repare na largura das ruas dessa pequena cidade.


Minha primeira entrada no metrô de Moscou


Essa é a estação Planyernaya, última da linha roxa, subúrbio de Moscou, ao lado de um centro comercial de mesmo nome. Nesse bairro moram muitos universitários estrangeiros como os meus amigos da Bulgária e do Turcomenistão que aparecem no vídeo, estudantes de engenharia aeronáutica. No vídeo todos falamos russo. Recentemente soube de um cearense que mora lá no mesmo prédio onde eu estive. No começo fiquei um pouco embaraçado na passagem, mas depois foi tudo como um estalar de dedos. Por ser uma estação recente ela não tem muitas novidades estéticas.

Brasileiro: minha primeira conversa em português na Rússia



Essa conversa foi travada no restaurante "Latinos", antes chamado "Brasileiro", frequentado constantemente por jogadores de futebol do Brasil que jogam na Rússia e por russos que vão em busca de um restaurante diferente.

Lá levei 3 amigas, uma moscovita (no vídeo) e duas de São Petersburgo, sendo que uma delas conheci pelo VK. Estava ansioso para mostrar a feijoada brasileira, que infelizmente não tinha mais no cardápio, por ser desconhecida pelo público russo. Além do mestre cuca Sérgio, no restaurante trabalhavam nesse momento dois angolanos, um tadjique, uma cazaque e os DJs eram russos.

A estação Praça da Revolução

Und der dies Lied euch singen tat,
lebt in einer neuen Welt.
Der Kumpel, der Mushik, der rote Soldat
hab'n die euch hingestellt




Aqueles que ouviram uma canção alemã conhecida como Oktobersong, da famosa banda Oktoberklub, poderiam se perguntar se os alemães Peter Hacks e Rolf Kuhl estiveram na revolução ou na estação Praça da Revolução, pois caminhar por esta estação é como estar caminhando nas letras da famosa canção alemã que nos fala do heroísmo do kumpel (cuja tradução agora me faltou), do mujique e do rote Soldat (o soldado vermelho).

Na estação Praça da Revolução estão esculpidos os personagens principais da Revolução Russa, marinheiros (já foi falado sobre eles aqui), o camponês, o operário e o soldado. Adicionalmente, estão também monumentos a cidadãos comuns. As esculturas, feitas em bronze, são tão bem feitas e vivas que alguém pode facilmente impressionar-se com a arquitetura dessa famosa estação de metrô, próxima da Praça Vermelha.

Embora a União Soviética tenha acabado desde 1991, a estação é digna de seu nome, afinal foi no período socialista que foi construído o metrô de Moscou. Antes da revolução havia um projeto para construir o metrô, mas ele foi rejeitado pelos aristocratas russos, afinal, que tipo de aristocrata iria querer "se meter com a ralé"? Eu tive a chance de conhecer uma descendente da aristocracia russa, de uma família de nobres documentada até em fotos datadas do século XIX. Também tinha um português fluente. Era uma pessoa bastante desagradável e egoísta, o único encontro desagradável que eu tive na Rússia (e não foi nessa referida estação). Recordo-me de uma conversa que tive com uma russa descendente da nobreza, ela dizia como achava um absurdo que os bolcheviques "transformaram as 7 casas de sua família em bibliotecas". Isso explica o porquê de muitos russos terem aversão a pessoas de origem aristocrática.

Perdoe o leitor pelo uso de um termo mais picante, mas sou obrigado a questionar, que tipo de idiota precisa de 7 casas para morar enquanto alguns dormem na rua? Tantos russos moram confortavelmente em apartamentos não maiores que 70 metros quadrados e alguns precisam de 7 casas??? Para um elitista, um nobre, um aristocrata, nada é mais abominável e incômodo saber que no assento do avião ao lado vai o filho da empregada. Ou que há bicicletas na rua dividindo o mesmo espaço com os seus luxuosos automóveis importados, e essa questão da bicicleta é até alvo de protesto de elitistas em cidades como São Paulo.

A nobreza russa teve sua importância até meados do século XV, quando os nobres eram geralmente guerreiros que ganhavam terras de príncipes russos por seus serviços prestados. Ela começou a perder sua importância a partir do reinado de Ivan III, quando se tornou um grupo de conspiradores interessados apenas em privilégios. O tzar Ivan IV, o terrível, é celebrado e respeitado na Rússia por ter combatido a nobreza, que segundo muitas evidências envenenou sua mãe, ele criou, muito antes dos bolcheviques, um órgão de cavaleiros negros que reprimiam a nobreza, conhecido por sua veste negra, os oprichiniki. Mais tarde, outro tzar que entraria em violento confronto com a nobreza da época seria Pedro, o Grande, acusado até de heresia por clérigos ortodoxos ligados à nobreza. No campo da literatura, Goncharov (ele mesmo um aristocrata menor), criticou a nobreza em "Oblomov", escrito em Simbirsk, cidade natal de Lenin. Em Oblomov, Goncharov nos traz um personagem nobre que durante metade do seu romance está em cima de uma cama, uma crítica ao parasitismo e à inutilidade da nobreza na Rússia. No século XX, Lenin, em suas obras, clamou pela derrubada da nobreza e do tzar, dos liberais, em outubro de 1917, contra os privilegiados que nada produziam para a sociedade.

Esse foi esse o mundo que em 1917 os bolcheviques destruíram e por isso são honrados nessa estação na figura do camponês trabalhador, do marinheiro, da mãe, de pessoas simples que edificam a sociedade, na Estação Praça da Revolução.


Um soldado vermelho com o seu cão de guarda. O focinho possui uma cor diferenciada do resto do monumento, alguns sustentam que se deve ao fato de muitos apalparem o seu focinho. Reza uma lenda que apalpar o focinho do cão traz sorte. Então é comum que alguns transeuntes, por mais apressados que estejam, voltem apenas para tocar o focinho do cão. 
Um "mujique", figura popularizada pelos escritos de L. Tolstoy
Um marinheiro revolucionário, com um revólver e uma granada tipo "espremedor de batata". Consta-se que esse revólver já foi roubado 3 vezes e substituído por um novo na estátua.

sábado, 25 de abril de 2015

"Nós estamos em menor número, mas usamos "telnyashki""

Usadas principalmente por paraquedistas (foto) e marinheiros, a telnyashka é um símbolo de masculinidade na Rússia

São vários os símbolos que marcam a cultura de um país ou um povo. Assim, quando alguém pensa em um escocês, logo muitos pensam em um kiltz, sua "saia" folclórica. Quando pensamos no nordestino, logo temos em mente um chapéu de couro estilo "vaqueiro" ou "cangaceiro", se pensamos no gaúcho, podemos pensar em uma cuia de chimarrão ou em uma bota campeira, uma bombacha, se pensamos em um africano, imaginamos suas batas características, cheias de cores vivas. Alguns desses objetos, por sua popularidade e praticidade sobrevivem aos tempos, sendo utilizados muito além de festivais folclóricos, e na Rússia um desses ícones é a camisa conhecida como telnyashka. Mas o que é uma telnyashka?

"- Filho da p***!" "- O que foi?" "- O cara sentado atrás de Chow é russo!" - "Como você sabe?". "- A camisa com listras azul claras indicam que ele é da Spetsnaz, forças especiais russas". Esse é o trecho de um diálogo do filme americano "Red Dawn", de 2012, cujo título em português é "Amanhecer violento". Ele é uma reedição do filme americano de 1982, estrelando Patrick Swayze e Charles Sheen, cujo enredo é uma invasão dos Estados Unidos pela União Soviética e adivinhem só, por Cuba! O filme é um clássico da propaganda anticomunista e russófoba de Holywood, logo no início do filme de 1982, um paraquedista russo chega atirando de metralhadora numa escola infantil, como é clichê em filmes holywoodianos da época, "o negão é sempre o primeiro a morrer". No filme de 2012, em vez da União Soviética, é a Coréia do Norte que invade os EUA com o apoio da Rússia (sim, um país de alguns milhões de pessoas invade outro que está do outro lado do oceano e tem mais de 10 vezes sua população). Ambos os filmes representam a ideologia americana, sendo que no segundo filme há uma representação do temor dos americanos pela camisa listrada que faz parte da cultura russa.

Telnyashka vem da palavra telnik, isto é, uma "camisa de baixo", "camisa para o corpo". É uma camisa listrada que pode ter ou não mangas que se tornou um símbolo soviético e russo. Ironicamente, sua origem está na Europa Ocidental, quando os marinheiros, no século XIX, passaram a utilizar uma camisa listrada que lhes caracterizava. O Império Russo seguiu a tendência de vestir a camisa listrada com uma jaqueta por cima. Todavia seria a partir da Grande Revolução de Outubro que ela ganharia um significado especial. Conforme se sabe, o ensaio para a Revolução Russa de 1917 foi a Revolução de 1905, que contou com a participação dos marinheiros do Encouraçado Potemkim. Anos mais tarde, os marinheiros russos de Kronstadt exerceram um papel de enorme relevância na tomada do poder. Eles foram a tropa de elite dos bolcheviques contra o regime do tzar. Sua habilidade de nadar e cruzar rios lhes garantiram grande mobilidade e vantagens para atacar tropas terrestres leais ao tzarismo, garantindo vitórias ao recém formado Exército Vermelho, em especial durante a Guerra Civil.

Encarte do filme "Encouraçado Potemkin", do diretor Sergey Einsenstein.
Russas (antes ucranianas) comemoram a volta da Crimeia para a Rússia em Simferopol em telnyashka naval
Assim, a telnyashka ficou associado aos marinheiros russos, que eram em realidade fuzileiros navais. Seu destemor na batalha foi celebrizado em vários filmes, contos e músicas inclusive em alemão, como na canção "Oktobersong", que fala dos "matrosen" e do "rotten soldat". Ficou famosa uma citação soviética, "nós estamos em menor número, mas vestimos uma telnyashka". A camisa dos marinheiros e fuzileiros navais é célebre por sua cor azul-escura. Mas logo surgiram em outras cores, com um significado marcante. Quando o Exército Vermelho criou as primeiras tropas de paraquedistas, conhecidas como VDV (sigla de "paraquedistas militares"), em razão da imagem heroica dos marinheiros, tinha-se o objetivo de apresentar os paraquedistas como os "marinheiros do ar", assim nasceu uma nova telnyashka, de cor azul-celeste, a cor do céu. Assim, a camisa dos paraquedistas possui uma camiseta com tais cores, além da boina azul-celeste (em outros países paraquedistas costumam usar boina vermelha, como o presidente Hugo Chavez). Logo surgiram telnyashki de outras cores, negra, para marinheiros de submarinos, verde, para as tropas de fronteira, e vinho, para as forças especiais do MVD, órgão policial.

Na cultura popular, essa peça de uniforme ganhou destaque como símbolo de masculinidade, de coragem, sendo bastante usado por russos ou cidadãos da ex-URSS em locais como academia ou no cotidiano, especialmente as versões de marinheiro/fuzileiro naval ou paraquedista. É um tipo de camisa que não custa caro na Rússia e alguns tipos são especialmente acolchoadas para serem usadas no frio, outras, mesmo com manga longa, podem ser confortavelmente usadas no calor, tendo já o autor desse artigo usado a camisa com muito conforto na ensolarada Fortaleza. É uma peça considerada "fashion" por muitos, razão pela qual muitas mulheres na Rússia também a utilizam, algumas até transformam essa camisa em saias. No ocidente, em alguns países, parece ter sido eleita por alguns estilistas como "peça da moda". Até alguns anos atrás era quase impossível de ser vista nas lojas ocidentais, mas já vi alguns vestidos estilo telnyashka em algumas lojas brasileiras.


Tanto quanto a camisa tradicional dos eslavos, a telnyashka é um símbolo da Rússia, prático e símbolo de coragem, diferente de camisas militares tradicionais ocidentais. Também é confortável, tanto pelo seu tecido pelo fato da gola parar onde começa o pescoço, logo acima dos ombros, impedindo que você se sinta sufocado". Geralmente ela se ajusta ao corpo (e por isso geralmente rapazes que fazem musculação e moças bem definidas a utilizam), uma espécie de "avô" do slimfit. É uma ótima compra na Rússia e também um ótimo presente característico daquele país.


O autor do blog com uniforme de fuzileiro naval russo, ganho de presente, em partida de airsoft com uma AK-103
Em visita à casa de uma amiga em Tula, Rússia, usando uma telnyashka de paraquedista e por baixo camisa térmica preta. Reparem no papel de parede, comum à maioria das casas na Rússia, e no mito de que "todas as russas são altas".

Fotos do Dia da VDV, quando integrantes da ativa e da reserva comemoram uniformizados ou com partes do uniforme o dia dos Paraquedistas Militares.

O povo armênio, vítimas de um genocídio acolhidos na Rússia



Os armênios são um povo muito antigo. De acordo com algumas fontes, foi o primeiro povo adotar como religião oficial o cristianismo, antes mesmo do Império Romano. Conta-se que de lá vieram os reis-magos.


Durante o século XX os armênios sofreram o primeiro grande genocídio, o Genocídio Armênio, assunto que é tabu na Turquia. Conquistados pelo Império Turco, que se envolveu nas escaramuças da Primeira Guerra Mundial, eles foram levados a uma grande marcha no deserto, que acarretou na morte de muitos deles. Muitos foram crucificados e abandonados a própria sorte. Esse destino infeliz os levou a buscar ajuda do norte, de um país recém formado, a União Soviética, que fez o possível para acabar com esse genocídio. Muitos armênios fugiram para diversas partes do mundo, conhecendo uma grande diáspora, para a Rússia, e mesmo para países além do mar como o Brasil e os Estados Unidos.

Assim, um dos meus primeiros contatos com a cultura armênia foi através da novela "Rainha da Sucata", que apresentava um personagem conhecido como "Dona Armênia", representado pela célebre atriz Aracy Balabanyan, ela mesma uma real armênia. Também sempre me chamou a atenção por ser um dos primeiros países do mapa-mundi, após sua separação da URSS. O interesse nessa cultura cresceria ainda mais após conhecer alguns armênios pela internet, dentre os quais um russo-armênio que fala fluentemente o português e também é professor de capoeira. Nas próprias palavras dele, a capoeira o salvou de muitas situações embaraçosas em clubes noturnos nos anos 90. Também chamou a minha atenção uma armênia-ucraniana que conheci, médica, que até participa de grupos de dança folclórica. Além disso tive como instrutor de kung fu um professor descendente de armênios. Há duas características que os tornam quase inconfundíveis, o sobrenome, quase sempre terminado em "yan" (Hachaturyan, Balanyan, Kardashyan...) e o nariz grande em formato de bico de papagaio. São em geral morenos, brancos. Muitos se passariam facilmente por um brasileiro do Rio Grande do Norte.

Mas há outra característica marcante dos armênios, que é sua receptividade e calorosidade. Até hoje todos os armênios que conheci eram pessoas muito agradáveis, dentre os quais uma senhora que citei em outra postagem que até me presenteou com uma camisa de paraquedista extra quando falei de dois amigos armênios. Eles também são muito próximos dos russos. Há em Yeryevan uma universidade eslávico-armênia, onde são formados profissionais de diversas áreas, especialmente da área médica. Além do armênio, que tem um alfabeto próprio, muitos falam russo com bastante fluência. 



Na Rússia é possível ver muitos armênios, especialmente em cidades como Moscou e Tula, onde eu estive. Lá, conforme dito aqui, há até um hotel chamado "Armênia", onde muitos funcionários são armênios e é servida a culinária armênia. Praticamente um pedaço do país em solo russo. Assim como os russos, muitos armênios se encantam facilmente com os brasileiros, a despeito do fato de que nos anos 20 e 30, por sua simpatia pela União Soviética, inclusive dentre pessoas de direita, muitos armênios foram perseguidos pela polícia política, no Brasil, como "agentes de Stalin". Muitos armênios que conheci na Rússia referiam-se também aos russos de forma bastante positiva.

Ontem, em vários lugares do mundo, foram feitas grandes passeatas da comunidade armênia pelo mundo todo em respeito ao Genocídio Armênio, praticado em 1915, um assunto que é tabu na Turquia e que muitos países que lideram a coalizão da OTAN se recusam a reconhecer, para "não manchar a reputação de seu aliado turco", lembrando que a Turquia é membro da União Europeia.

Ao contrário do que acontece a outros povos vítimas de genocídio, por exemplo os judeus, não há qualquer tipo de revanchismo por parte das autoridades armênias e nem de particulares, no sentido militarista dessa palavra.

sexta-feira, 10 de abril de 2015

Minha entrevista ao blog "Coisas de Aluno"

"Os russos são muito frios?", "a Rússia é perigosa?", "as russas são bonitas?", "como começou a aprender russo?", "como os estudantes vivem na Rússia?". Essas e outras perguntas foram feitos a mim pelo autor do blog "Coisas de aluno". Segue aqui a entrevista em 3 partes:





terça-feira, 7 de abril de 2015

Dicas para aprender bem o russo


1- Alfabetize-se com o alfabeto cirílico


Em geral, é comum os manuais de russo trazerem diálogos onde um dos personagens diz "eu sei falar e escrever em russo". Isso não acontece por acaso, o alfabeto cirílico é essencial na comunicação, inclusive para identificar lugares. Em russo é comum ouvir siglas como "ВДНХ", "ДНР", "ЛНР", "АТО", "РФ", "ВМФ", "СССР", "ВДВ". Todo russo conhece essas abreviações! Além disso algumas palavras, por estarem em locais "estratégicos", estão sempre escritas em maiúsculo, e por conterem mais consoantes, parecem abreviações, por exemplo "ВХОД" (НЕ ВЫХОД), e "ВЫХОД" (НЕ ВХОД). Apesar da aparente obviedade, quem passa numa porta de metrô num horário de muita gente sabe que isso não está lá por acaso. Eu me recordo quando trabalhei num órgão de justiça onde era comum as pessoas serem "nocauteadas" pela porta por que não tinha nenhum adesivo nelas.
Além disso é preciso estudar o alfabeto contextualizando. Por exemplo, em geral palavras terminadas com a letra A designam o gênero feminino. Adjetivos terminados em -АЯ(ЯЯ) sempre designam o gênero feminino, em ИЙ ou ЫЙ designam gênero masculino, em OE ou EE sempre se referem ao gênero neutro. Assim, através de simples letras nós temos uma enorme compreensão da gramática.
Além disso, palavras terminadas em Ь tendem a se transformar em И no plural. O plural russo é complexo e mesmo difícil para muitos, porém não se compreendermos esse bizu.

2- Estude pelos manuais, esqueça os manuais!

Os manuais nos ensinam a falar russo, porém são apenas um monte de papel e por esse motivo não nos passam todo o dinamismo da língua. É necessário ouvir, mesmo sem compreender, músicas e filmes em russo (se possível sempre com legenda), especialmente os últimos. Pois observando as cenas torna-se mais fácil associar à ação e conhecer expressões consagradas. Uma pessoa com um entendimento médio de russo certamente irá conhecer a expressão "Комсомолка", isto é, uma jovem comunista. Todavia essa expressão não se refere apenas a uma comunista, também é um elogio para mulheres em linguagem figurada, para entender isso é necessário ter assistido a filmes como "A prisioneira do Cáucaso", para entender o contexto da expressão. Uma pessoa que ouve falar de "вежливые люди" entende que se trata de "pessoas educadas". Porém uma pessoa que assiste a jornais russos e acessa redes sociais russas também sabe que a expressão se refere às tropas de elite russas.

Além disso é muito importante estabelecer contato com os nativos, o que é fácil de fazer pela internet. Isso possibilitará a você conhecer expressões populares como o "если не секрет", feito para perguntas mais delicadas, vai aprender que as mulheres costumam usar "типа" em vez "подобно", expressões como "да, нет наверно", que não aparecem nos manuais, mas representam uma negação sutil. Ou ainda coisas simples como o uso do "да", que geralmente é usado 3 vezes seguidas, não apenas uma, fazendo a conversação parecer menos mecânica. Se você é iniciante, é recomendado ousar nessas expressões.

3- Conheça os sotaques do Brasil (sim, isso mesmo!)

Se você conhece a fala do nordestino cearense, do potiguar, do paulista, do gaúcho e do carioca, você provavelmente não vai ter problemas em dissociar Ч de Т, Ш de C, Р de Х (gutural), e conhecendo a forma como um carioca diz "Tavares" você sem problemas conseguirá dizer "товарищ".
Se possível "remodele" totalmente seu português.

4- Aprenda com os falsos cognatos

Muitas palavras do russo parecem português, procure sempre associá-las sem desassociá-las de seu significado, claro! Todo mundo sabe o que é tijolo, mas ninguém quer sair por aí carregando um por que ele é тяжёлый. Todos sabem o que é barriga (pronúncia gaúcha), e ninguém quer comprar algo para ela por meio de um vendedor que pratica "барыга" (Ы soando como И aqui). Quando você nada, significa que você "надо" mexer os braços e pernas, do contrário vai flutuar ou se afogar. E por gentileza, se você for de certas regiões e seu nome for Ruy, procure sempre apresentar-se com um R sonoro tipo gaúcho para um nativo russo para evitar constrangimentos. Além disso, aquilo que não é bom, é uma p... ou melhor, é "плохо" (plorra)!

5- Não caia nos mesmos erros dos outros, mas aprenda com eles

Корейка é uma costela, não confundir com uma mulher do famoso país socialista, isto é, uma кореЯнка. Não sucumba à tentação de cometer os erros que muitos russos, dizendo укрАинский, em vez de украИнский. Se tiver amigos moldavos e conversar com eles pela internet, total atenção para não esquecer que Ь não é И!!! Se tiver amigos do Cáucaso, muito cuidado para não esquecer que Ы não é И e nem Э é Е!


Corrigir, ainda que apenas mentalmente, também é uma boa forma de aprender.



6- Seu melhor amigo é aquele que corrige


Muitos russos, por generosidade, tendem a elogiar um estrangeiro que domina o russo. Em verdade, muitas vezes comparado ao "russo" dos filmes de Holywood, quase sempre ele será bom, se você estudou com afinco ou com um bom professor. Todavia erros podem sempre vir, e nessas horas, para tornar o seu russo realmente bom, o melhor amigo é aquele "mais chato" que vai querer corrigir até suas vírgulas. Nessa hora fique atento, repita se for solicitado, e mentalmente repita pelo menos 3 vezes, 5 se possível!

7- Busque toda sorte de recursos em língua russa

Isso inclui desde complexos livros de filosofia até desenhos e papéis de bombom!

8- Aprenda a cantar (ou ao menos tente)

Antes de aprender russo algumas pessoas não têm qualquer afinidade por esta ação, o que muda totalmente após estudar o russo.

Cantar ajuda a adquirir fluência, a pronúncia devidamente as palavras, rimas, ajuda na expressão, na desenvoltura, na soltura, na ênfase que deve ser dada a algumas sílabas e mesmo a algumas letras, dependendo da expressão.

É uma ação talvez indispensável para a aquisição da fluência.

9- Ter conhecimento prévio do assunto!

Uma boa dica para aprender o russo o qualquer outra língua é ter conhecimento prévio acerca de um assunto. Alguém que nunca pisou numa academia certamente irá ter muito mais dificuldade para entender um texto sobre musculação do que alguém que pratica constantemente e conhece os pesos, técnicas e ferramentas. Ler um artigo de um jornal sobre um fato conhecido será muito mais fácil se você entende do assunto. Ler um livro em russo que você já leu em português será mais fácil por que você conhece o enredo.

Vale até mesmo re-assistir em russo seriados e novelas que você já assistiu em línguas como o inglês ou português. Ou jogar em russo aquele RPG cujos locais e discursos você conhece de cor e salteado em português ou inglês.

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Ulyanovsk, a cidade de Ulyanov




"As corrente nos pés pesaram, 
Mas com orgulho o povo as arrancou,
Viva o herói que por nós
Sua vida sacrificou, Lenin!
Viva o povo e Lenin!"

Assim começa uma famosa canção húngara, um idioma conhecido por se diferenciar de todas as outras línguas europeias. Alguém que estuda alemão pode encontrar palavras que parecem com o russo, ou com o grego, ou mesmo o português, mas isso não acontece na língua dos magiares. Deste modo surge a questão, o que levou um nome a ter sido homenageado e honrado numa das línguas mais difíceis e exóticas da Europa? 

Todo aquele que passeia pela Rússia e tem a capacidade de ler o alfabeto cirílico se deparará facilmente com um nome em ruas, praças, instituições, bandeiras, algumas cidades, dentre outros locais: Lenin! O que fez de Lenin um nome tão forte na Rússia e no mundo? Foi essa busca que me levou à cidade de Ulyanovsk. Em verdade, foram vários os fatores do destino que apontaram para lá, um destino previsto há dezenas de anos!

Posando em frente ao monumento ao fundador de Simbirsk, hoje Ulyanovsk. Seu porta-bandeiras carrega a bandeira de Cristo Pantokrator, logo às margens do rio Volga

Em minha infância vivi no Rio Grande do Norte, talvez o estado brasileiro que proporcionalmente possui os nomes mais exóticos. Em Angicos brinquei aos meus 6 anos de idade com um garoto chamado Ceaucescu, o nome soava tão exótico que foi impossível não lembrar dele na aula de história, quando eu morava já em outra cidade. Também tive um colega da escola chamado Enver, na universidade conheci um certo professor José Stalin Reginaldo, em verdade também é possível achar em lista de aprovados do vestibular nomes exóticos como "Jaspion Brasileiro" e mesmo "Adolf Hitler". Todavia foi na escola que conheci um jovem chamado Lênin. Eu já havia lido rapidamente sobre Lenin na Enciclopédia Compacta de Conhecimentos Gerais, nos anos 90. Lênin era filho de um professor de história bastante humilde, estudioso, tinha o respeito de toda a sala e de grande parte do colégio. Comentava-se que o pai dele "escondia os livros dele nas férias, para ele poder jogar bola". Nossos os colegas o apelidavam de "mestre", por causa de sua inteligência em todas as matérias. 

Quando comecei a estudar russo, através de um manual soviético, deparei-me com vários textos bibliográficos sobre Lenin, que apresentavam um filho exemplar, aluno exemplar que cuidava de sua mãe solteira e que apresentava sempre uma atitude resoluta ante das dificuldades. Na Universidade Estadual do Rio Grande do Norte, passando pro uma biblioteca, deparei-me com uma versão em português das Obras Escolhidas de Lenin e resolvi lê-las (eu costuma ler quase tudo que via pela frente nessa biblioteca, todo tipo de autor!). Ao ler as ideias de Lenin fiquei impressionado com o que li, suas ideias revolucionárias eram diferentes das de muitos autores do ocidente. Lenin não tinha esperanças na social-democracia, a mesma que hoje promove massacres na Líbia e na Sérvia sob o estandarte da OTAN. Lenin chamava os sociais-democratas de "sociais-traidores", por que estes abandonaram a ideia de uma revolução proletária. Mas sem dúvidas o melhor de suas ideias é a atualidade delas. 

Foi na cidade natal de Lenin e Goncharov que pude ver o meu tempo favorito, sol e neve!


Ergue-se imponente, em frente à Casa Branca de Ulyanovsk, um monumento a Vladimir Lenin, campeão de internacionalismo e cruzado da luta contra o imperialismo e o racismo

Lenin escreveu esboços sobre a questão nacional, sobre a importância de apoiar a independência dos povos árabes, das colônias europeias na África, nas Américas e na Ásia. Ele ousou denunciar o neocolonialismo e o que ele chama de "imperialismo", isto é, o poder do capital monopolista sobre os países do terceiro mundo. Um imperialismo que não visa um "neoimpério" em estilo romano, mas o estabelecimento de novas colônias para o enriquecimento da grande metrópole europeia. Hoje na Europa há grandes empresas que lucram com a venda de chocolates, mas na Europa não nasce cacau! Nem o chocolate foi inventado na Europa, mas pelos povos indígenas das Américas. Em quê os povos desses países se beneficiam com o chocolate? É deste questionamento que nasce a teoria leninista. Lenin apresenta a capacidade de dialogar com autores inclusive de direita. Em toda a sua teoria e estratégia de tomada do poder, Lenin mescla elementos do estrategista alemão Clauzewitz com a teoria revolucionária de Karl Marx, teoria essa posta à prova em outubro de 1917 e vitoriosa. Hoje, em tempos de extremismo e sectarismo, uma pessoa de esquerda, acostumada a raciocinar com base no impulso e não na razão, poderia dizer: "mas isso é um absurdo, ele leu um autor de direita, é um traidor". Mas Lenin não parou por aí. Embora ele tenha sido um crítico ferrenho da direita, Lenin também não poupou a extrema-esquerda. Leitor de Dostoyevskiy, autor de direita que muitas vezes criticou, Lenin, certamente inspirado por uma grande obra como "Os demônios", ousou dizer que "esquerdismo é doença", em sua obra "Esquerdismo: doença infantil do comunismo", onde ele critica os amantes da fraseologia de extrema-esquerda, do sectarismo, dos "super-homens revolucionários" que vemos brotar nas faculdades e depois converter-se em ardentes reacionários.
                                 
Lenin combateu o antissemitismo, uma mazela que assolava o Império Russo em seus últimos dias. Era também um mestre do disfarce, em razão da sua necessidade de fugir da repressão tzarista. Ele também criou um código civil humanizado, que trazia novos institutos como o teste de paternidade, que facilitava o divórcio, um Estado multinacional que se tornou uma superpotência e eliminou o analfabetismo e superou o atraso social e tecnológico do Império Russo. Vladimir Ilich Ulyanov era filho Ilya Ulyanov, um educador do Império Russo condecorado pelo tzar por seus esforços em prol da educação na Rússia, um homem que visitava escolas em lugares longínquos sob o mais intenso frio do inverno russo. Após uma dessas visitas ele adoeceu e morreu, enquanto Lenin ainda era uma criança. Era um general (na época os funcionários públicos russos tinham um posto militar).

Mas não foi somente a história de Lenin que me levou a Ulyanovsk. Desde o primeiro dia em que anunciei minha viagem à Rússia, uma concluinte de jornalismo me convidara para ir até sua cidade. Ela nascera em uma pequena cidade ao redor de Ulyanovsk e agora morava lá. Ruiva, como Lenin, alta para os padrões femininos, e me prometera um par de luvas de tricô bordadas por ela mesma, que acabou por perder em um transporte. Eu prometi visitá-la, mas Moscou foi magnética, como meus amigos búlgaros, cazaques e minha amiga turcomena, como meus amigos russos de Tula, mas eu sentiria um profundo pesar se deixasse de ir até o Tatarstão e por extensão até o oblast de Ulyanovsk.

A recepção foi a melhor possível, fui recebido ainda na estação pela princesa escarlate, com os seus exóticos "olhos de raposa", uma particularidade da beleza russa, a ela presenteei com um buquê de flores. Diga-se de passagem, cometi aí uma pequena gafe, como soube depois pela internet. Na Rússia, deve-se sempre presentear com flores em número ímpar, flores em número par somente para os mortos. Chegando lá, pude desfrutar dos melhores momentos na Rússia, e um deles foi a visita sugerida por Kristina (isso mesmo!) ao monumento a Ilya Ulyanov, e depois à própria casa onde viveu Vladimir Ilich Ulyanov, popularmente conhecido como "Lenin", isto é, "O homem do Lená" (rio russo onde ficavam campos de trabalho do tzar).

Nadyejda Krupskaya, esposa de Lenin e grande educadora russa
A casa de Lenin revelava interessantes surpresas, uma delas era um ícone ortodoxo de Jesus Cristo, na sala principal. Embora fosse um crítico da religião e ateu, como muitos marxistas da época, Lenin teve uma formação cristã ortodoxa, possivelmente influenciou no seu afastamento a sua mãe, que era ortodoxa apenas formalmente, visitando frequentemente uma igreja luterana situada há alguns metros da casa de Lenin, a única igreja protestante que vi na Rússia. Logo na entrada vemos também um piano. A mãe de Lenin era uma exímia pianista. No quarto de Lenin vemos também vários brinquedos, dentre os quais soldadinhos de papel, o que certamente poderia chocar muitos adeptos do politicamente correto ou da "esquerda new age", isto é, um grande nome de esquerda que brincava com bonecos de soldadinhos. Se Lenin vivesse nos dias atuais talvez brincaria de "Comandos em ação", ou jogaria "Counter Strike". Por ser parte de uma família de classe média alta, a casa de Lenin também possuía um quarto para a sua babá. O quarto da babá de Lenin é maior do que quarto onde durmo, de onde escrevi esse artigo. Isso deve ser enfatizado, pois na cidade de Teresina-PI, vi apartamentos em prédios de classe alta, cujos quartos para empregadas eram minúsculos como o quarto de um tripulante de navio, uma senzala moderna, onde sequer havia tomadas para uma doméstica ligar uma TV ou um computador ou instalar pratilheiras com livros. A casa de Lenin, entretanto, era baixa, talvez por razões térmicas. Esticando os braços eu conseguia junto com Kristina alcançar o teto. A julgar pela minha experiência pessoal, no Brasil seria totalmente impensável pensar em ter uma companhia feminina de natureza tão especial e delicada para visitar um museu! A língua russa me inseriu num universo totalmente novo.


Percorrendo a casa de Lenin encontramos a mesa de trabalho de seu pai, herói do Império por seu trabalho educacional, e vemos logo atrás retratos de família. Lá vemos uma foto de Vladimir Ilich ainda jovem, quando possuía cabelos, frequentemente comparado ao ator Leonardo Dicaprio, são evidentes as semelhanças. Logo em frente percebemos também uma relíquia do revolucionário russo, o seu casaco de inverno, um casaco de família passado de geração em geração, que o protegeu do inverno rigoroso da Rússia, num lugar a caminho da Sibéria. Kristina disse que eu seria confundido com um boiardo se eu vestisse um assim.

Lenin e Leonardo DiCaprio

Caminhando pela casa, conheci o quarto de Aleksandr Ulyanov, irmão mais velho de Lenin. Era um revolucionário anarquista, precisamente um niilista, que inspirado pelas ideias revolucionárias que vinham da Europa, acreditava no fim do Império Russo, razão pela qual tentou assassinar o tzar, sendo por isso enforcado publicamente, fato que marcou profundamente a vida do jovem adolescente "Vova". Chegando ao quarto de Vladimir Ilich nós nos deparamos com o amor pelo saber e com a genialidade do fundador da União Soviética. Logo em sua mesa de estudos, nós vemos o seu boletim escolar com as melhores notas e menções honrosas em sua escola. Vemos na parede o seu uniforme escolar (sim senhores, ao contrário do que pregam certos filmes, uniforme não é "coisa de fascista"). Mas duas coisas me impressionam profundamente, uma delas é o fato de que Lenin conhecia o Ceará, que aparece em seu mapa múndi, na parede de seu quarto. Tal como eu, Lenin adorava mapas durante a infância! Em sua estante de livros percebemos diversos livros, dentre os quais, e isso foi mais um choque, "Taras Bulba", de Nikolay Gógol, o meu livro favorito e o primeiro que eu tive em português e em seu idioma original, o russo, um conto sobre um ancião cossaco que protegia a Rússia. Lenin, como eu, também tinha amor pelas línguas estrangeiras. Homem inteligente, ele dominava o alemão, o francês, também estudara no ginásio o latim, o grego e posteriormente também aprendera o inglês. Segundo algumas fontes ele também falava ídiche. Sua mãe conhecia o alemão, o francês e o inglês, segundo algumas fontes também o sueco, sendo neta de um sueco. Lenin além de russo, tinha descendência sueca e tártara, lembrando que sua cidade natal fica vizinha ao Tatarstão (são quatro horas de Kazan até Ulyanovsk de carro em tempo com neve).

Vladimir Ulyanov fora uma criança feliz, um filho exemplar, um adolescente transformado e um adulto ousado, que construiu as bases de um país modernizado, que de um império decadente de analfabetos, construído apenas para aristocratas e burgueses, tornou-se uma república industrializada, sem analfabetismo, com cultura para todos. Se um simples livro era sob o Império um artigo de luxo, sob Lenin eles eram tão baratos quanto um pedaço de pão. Qualquer um que buscar livros feitos na URSS encontrará obras renomadas por centavos, isso mesmo, centavos!!! Enquanto no Brasil, onde não tivemos Lenin, livros são um artigo de luxo! 

É por isso que o nome de Lenin está na boca de muitos, que ele "não desaparece com o tempo", como clama a canção húngara. É por isso que todos os dias, talvez neste momento, há grandes filas em Moscou para visitar o Mausoléu de Lenin. A sensação de estar diante do magíster russo é a mesma de estar diante de um professor que descança, um professor que nos ensinou a repudiar o imperialismo e o racismo, que nos ensinou a aprendermos com a herança da polidez da nobreza e ao mesmo tempo cultivar ideias de justiça social, que nos ensinou que "somos tantas vezes homens quantas línguas falamos", que a cultura e o conhecimento devem fazer parte da vida de todos, e não de uma casta iluminada. Este foi o legado do Grande Lenin! Sua casa está aberta na pequena e pacata cidade de Ulyanovsk, às margens do rio Volga, antiga Simbirsk, a cidade natal de Lenin.



ЛЕНИН ВСЕГДА С ТОБОЙ (LENIN ESTÁ SEMPRE COM VOCÊ)

День за днем бегут года — (A cada dia se passam os anos)
Зори новых поколений. (Florescem novas gerações)
Но никто и никогда (Mas ninguém e nunca)
Не забудет имя: Ленин. (Não esquece o nome: Lenin)

Ленин всегда живой, (Lenin está sempre vivo)
Ленин всегда с тобой (Lenin está sempre com você)
В горе, в надежде и радости. (Nas montanhas, na esperança e na felicidade)
Ленин в твоей весне, (Lenin em sua primavera)
В каждом счастливом дне, (Em cada dia feliz,)
Ленин в тебе и во мне! (Lenin em você e em mim!)

В давний час, в суровой мгле, (Há muito tempo, sob a escuridão)
На заре Советской власти, (No alvorecer do poder soviético)
Он сказал, что на земле (Ele disse que na terra)
Мы построим людям счастье. (Construiríamos a felicidade do povo)

Мы за Партией идем, (Caminhamos com o Partido)
Славя Родину делами, (E a glória da causa da pátria)
И на всем пути большом (E no longo caminho)
В каждом деле Ленин с нами. (Em cada causa Lenin está conosco)

Ленин всегда живой,
Ленин всегда с тобой
В горе, в надежде и радости.
Ленин в твоей весне,
В каждом счастливом дне,
Ленин в тебе и во мне!
И навсегда!



"E Lenin é tão jovem", canção do renomado artista soviético Lyev Leschenko (Letra em breve)

domingo, 5 de abril de 2015

A canção dos campos por Ivan Rebroff



Olhe bem para este homem. Alguém que não conhece a sua história poderia alegar tratar-se de um russo, de um boiardo talvez ou um cossaco.

Em realidade trata-se do alemão Hans Rolf-Rippert, popularmente conhecido como "Ivan Rebroff". Mesmo sendo alemão, ele ficou famoso por cantar em russo sem sotaque as mais famosas canções populares russas. Era um cantor de voz extraordinária, capaz de atingir mais de quatro oitavas, bastante respeitado na Rússia. Ele também era capaz de cantar soprano.

Foi um grande divulgador da cultura russa. Nesse vídeo ele canta a famosa "Canção dos campos" (Polyushko Polye), onde ele fala da despedida das mulheres russas dos soldados do Exército Vermelho, que partiam a cavalo para a batalha, nos tempos da Guerra Civil contra o Exército Branco.

A canção dos campos é talvez uma das mais conhecidas canções populares russas, ela é frequentemente tocada, em sua versão instrumental, em desfiles militares e em desfiles de moda onde se apresentam modelos russas, também é tocada pela Banda dos Fuzileiros Navais dos Estados Unidos na abertura do filme documentário "A Batalha da Rússia". Há várias versões dela, incluindo uma versão do Coro do Exército Vermelho, da cantora nipo-russa Origa, do renomado artista francês André Rieu, da cantora alemã Helen Fischer e de outros artistas, há muito tempo, quando eu frequentava discotecas, até mesmo a ouvi em estilo "remix". Em algumas versões "do Exército Vermelho" é trocado por "do Exército Russo". Mas uma coisa permanece inalterada em todas as versões, que é o estilo cavalariano da canção, como alguém que cavalga a galope!



Dois filmes sobre Alexander Nevsky

Considerado o maior nome de todos os tempos da Rússia numa pesquisa online em 2008 seguida de debates televisivos e evocado por Stalin e pelos comunistas soviéticos como inspiração na luta patriótica e antifascista, Alexander Nevsky foi retratado em dois filmes conhecidos, "Alexander Nevsky", do consagrado cineasta Sergey Einsenstein, de 1938, e "Aleksandr: A batalha do Neva", de 2008, de Igor Kolyonov. 

Ao leitor, pessoalmente recomendo assistir primeiro ao filme de 1938. Embora preto e branco, as técnicas de cinematografia usadas, figurino e a trilha sonora são muito superiores ao filme de 2008, que por alguns usuários foi criticado como "estilo Holywood made in Russia". O primeiro filme também possui muito simbolismo. Nele os alemães são retratados como tendo grandes narizes (um lugar comum em filmes da era soviética), um dos cavaleiros alemães possui um elmo com uma mão em postura similar à saudação nazista, e os bispos católicos possuem uma suástica em seu chapéu e os elmos da infantaria são intencionalmente feitos para parecer com os elmos dos soldados do Wermacht. O filme foi profético quanto à invasão do país. No segundo filme o ponto mais importante é a tentativa de retratar a história, mas a cinematografia e o fator artístico deixam a desejar, embora o filme entretenha e informe.

O primeiro filme também reflete muito das ideias comunistas da época soviética, enfatizando a participação feminina também na batalha. Duas personagens femininas exercem um papel relevante na trama, uma delas para vingar seu pai, queimado vivo em Pskov. Seu pai, a propósito, é um ancião russo. Os anciões sempre foram um elemento importante da cultura russa, sendo sempre retratados com seus cabelos brancos e longas barbas como sábios, honrados e sãos, tanto na mitologia, quanto em contos populares, filmes e canções.



Postagem de vídeos atualizada

Boas notícias, pessoal, agora podemos postar vídeos em nosso blog! Tentamos fazer isso muitas vezes, todavia todas sem êxito devido a um bug do Blogger.

Há mais de 700 anos!

Foto de um manuscrito sagrado retratando a Batalha do Gelo, sob a liderança de Alexandr Nevsky


Visitar a Rússia é sem dúvidas uma experiência sensacional. Uma visita à Rússia não é só observar várias paisagens, prédios ou monumentos exóticos para tirar uma foto, é muito mais que isso. 

A sensação que alguém sente na Rússia é uma enorme sensação de poder, de estar em uma potência milenar e se sentir parte dela de algum modo, a sensação de que nada, mas nada mesmo, está em falta, e em razão da energia dos ancestrais russos, eslavos, variegues, não se pode sentir falta mesmo da luz do sol! E isso afirmo ativando o meu modo de pensar russo escrevendo em português. Digo isso por que o sol, na língua russa, tem um sentido profundo, sublime. É comum um russo dizer para sua namorada ou uma russa ao seu namorado "meu sol" (solntse maiô), assim escrevem também os poetas. O hino da União Soviética falava no "sol da liberdade", não um sol "físico" que brilha, mas um sol ideológico, cheio de significado. Isso é necessário para que o leitor compreenda o sentimento que me levou a me expressar por meio deste artigo.

Há mais de 700 anos atrás a Rússia (naquela época conhecida por "Rus", e não "Rossiya", nome grego adotado por Pedro, o Grande) conheceu um momento decisivo para sua sobrevivência. Os cruzados moviam uma guerra não apenas contra o Islã, no Oriente Médio, mas também contra os povos eslavos e cristãos da Europa Oriental em sua cruzada conhecida como "Drang nach Osten". "Nach" é uma palavra que aprendi essa semana em minha aula de alemão, "para", assim, "A marcha para o Leste", para a Rússia... Embora os cruzados da Ordem Teutônica tenham tido êxito em converter à força os povos da Europa Oriental, um povo não aceitou seu domínio nem a sua doutrina católica, esse povo era conhecido como "russo". E na época seu território ia de territórios ao oeste de Kiev até o seu limite nordeste, em São Petersburgo, era conhecida apenas por "Rus". A "Rus" não era um "império multinacional" na época, nem mesmo uma unidade política, mas uma terra onde vivia um mesmo povo e conviviam harmonicamente vários principados, várias cidades Estados, como a maioria dos reinos medievais. Ao leste estavam os tártaros e mongóis da Horda, um grande império multinacional que reunia tártaros, mongóis, chineses, escravos russos e povos asiáticos. Ao oeste estavam os poloneses e os alemães. Mas quase sempre a Polônia servia de passagem para os alemães e ao longo da história para quem mais quisesse ir até a Rússia.

Kiev havia caído e reinava na "Rus" a cidade-estado da Grande Novgorod, cidade mencionada pelas sagas variegues (vikings) como Holmgarde (Fortaleza da Ilha). Era uma cidade muito rica, cheia de ricos comerciantes, nem mesmo era um reino, mas uma república, como Roma no princípio. Embora seu antigo príncipe, Alexander Yaroslavich, tenha derrotado os suecos nas margens do rio Neva, os comerciantes tentaram assassinar o herói de apenas 19 anos, que teve que fugir da cidade. Isso mudou quando os Cavaleiros Teutônicos invadiram as terras russas, chegando a queimar a cidade de Pskov e ameaçando acabar com o que restava de "cultura russa" naqueles anos difíceis do século XIII, em 1242 em que os russos se viam dentre dois fogos, no ocidente os alemães e no oriente os mongóis. Todavia os mongóis eram pagãos e a eles interessava apenas o imposto pago pelo russo, ao passo que os alemães eram católicos e queriam não apenas o imposto do russo, como sua alma, sua fé!

Foto do Kremlin da Grande Novgorod, onde está situado o Monumento aos 1000 anos da Rússia

Com a ameaça dos cruzados, a população e um grupo de cavaleiros russos conseguiu reconduzir à cidade o príncipe deposto Alexander "Nevsky", isto é, "do Neva", a contragosto da nobreza. Ele foi eleito como o Príncipe da República de Novgorod. Sob sua liderança, toda a população local, incluindo os camponeses de cidades vizinhas, foram convidadas para formar uma "drujina", isto é, uma milícia, formada por camponeses e trabalhadores locais sem formação militar. Em russo é da palavra "drujína" que vem a palavra "drug" (lê-se druk, sem o som de "e" que brasileiros adoram incluir quando começam a aprender línguas como o inglês ou russo), isto é, "amigo". Assim, na Rússia a palavra "amigo" vem da palavra que designa um companheiro de batalha. Além disso foram reunidos cavaleiros da cidade, guerreiros profissionais para a grande batalha.

Alexander Nevsky era um gênio militar desde seus 19 anos e guerreiro exímio, ele logrou derrotar em duelo o jarl Birger (jarl era um cavaleiro de elite sueco), após a tentativa sueca de conquistar a Rússia pelo norte, onde centenas de anos depois seria fundada a cidade de São Petersburgo. Ele pôs fim à "Cruzada Sueca", em realidade uma raide viking disfarçada de cruzada cristã. Agora era hora de confrontar uma nova cruzada, a cruzada alemã! Os alemães dominavam na Idade Média técnicas avançadas de produção de armaduras, a chamada "Escola de Nurembergue". eles produziam armaduras pesadas, de malha rebitada e placa, elmos de placa que assustavam só pela sua aparência e também podiam resistir a mais impactos de corte e perfuração. Assim eles subjugaram vários povos ao longo do Báltico, tomaram cidades russas e queimaram como hereges a população ortodoxa que recusava se curvar ao catolicismo de Roma.

Clube de Reconstrução Histórica emulando fielmente os Cavaleiros Teutônicos

O príncipe Alexander então confrontou a Ordem dos Cavaleiros Teutônicos e a Ordem Livônica em solo estrangeiro, sobre o lago congelado Peipus, no que ficou conhecido como "A Batalha do Gelo", por esta ter sido em grande parte travada sobre o lago congelado. Após mais de duas horas e meia de combate corpo a corpo, Alexander Nevsky ordenou o avanço da cavalaria russa e dos arqueiros a cavalo mongóis inteiramente cheios de vigor. Os cavaleiros alemães recuaram em pânico para o interior do lago e foram dizimados ou aprisionados, tendo seus comandantes capturados. Assim, as "Cruzadas do Norte", decretados por bula papal com o pretexto de "as terras cristãs da Finlândia dos inimigos pagãos e ortodoxos", chegavam ao fim!

É interessante frisar que apesar da intensa participação alemã, havia também tropas do Reino da Dinamarca, exércitos papais e mercenários e recrutas estonianos. Assim, a batalha tinha seu fim em 1242. Mais tarde, 699 anos depois, a Alemanha iniciaria uma nova tentativa de conquista da Rússia, novamente sob a "bênção" do Papa, só que dessa vez sob o comando de Adolf Hitler, que mesmo ousou seguir a mesma rota dos Cavaleiros Teutônicos em direção à capital do norte, a cidade de Leningrado (São Petersburgo), onde A. Nevsky derrotara os cruzados suecos. Novamente eles contavam com o apoio de exércitos não-alemães, de toda a Europa, húngaros, tchecoeslovacos, suecos, noruegueses, franceses, italianos, turcos... mas novamente, eles fracassaram. Há mais de 700 anos atrás, no dia 5 de abril, Alexander Nevsky dizia não à tentativa de dominação da Rússia, disse ele que "aquele que vier a nós com a espada, pela espada perecerá". Ele foi canonizado pela Igreja Ortodoxa no século XVI, no século XX, nos tempos da União Soviética, seu feito foi retratado pelo grande cineasta Sergey Einsenstein no filme "Alexander Nevsky", feito nos anos 30 e considerado uma obra prima do cinema. No mesmo século, em 1941, o premier soviético I. V. Stalin evocou o nome de Alexander Nevsky como inspiração na luta contra o fascismo. No século XXI, em 2008, após um longo debate na TV, os russos escolheram Alexander Nevsky como "O nome da Rússia" (Stolypin ficou em segundo e Stalin em terceiro). Hoje na Rússia, especialmente em São Petersburgo, muitas ruas e locais públicos levam o nome do Príncipe de Novgorod. Em 1999, a cidade de Novgorod recebeu seu antigo nome "Grande Novgorod" (Velikiy Novgorod), que ironicamente hoje é menor do que a "Pequena Novgorod" (Nizhniy Novgorod), que também será sede da Copa de 2018.

Cena do filme "Aleksandr Nevsky", de Sergey Einstein, retratando o príncipe de Novgorod. O filme possui cenas inovadores na cinematografia e as cenas de batalha são consideradas muito bem produzidas e mesmo superiores a muitas de filmes atuais
Alguns blogs sobre a Rússia, publicados por néscios que estão apenas atrás de "novas fotos para o Instagram" menosprezam o feito do knyaz de Novogorod, sustentando que "na ortodoxia muitos príncipes viram santos", ignorando totalmente e descontextualizando a sua história. O feito de Alexander Nevsky representa uma tradição milenar de um povo, de resistir às invasões, de luta pela liberdade, tradição essa que permanece pelos séculos, de onde emana o poder que tem a Rússia. Que assim seja, no século dos séculos!


                A Catedral de Alexandr Nevsky, em Tula, com um busto ao Príncipe de Novgorod


Uma das canções que integram o filme Alexander Nevsky foi composta pelo grande compositor russo Sergey Prokofiev, "Erga-se, povo russo". A composição foi feita em homenagem aos 120 anos do nascimento do grande compositor russo.

REFRÃO:
Вставайте, люди русские, (Levante-se, povo russo)
На славный бой, на смертный бой. (Para o combate glorioso, para o combate mortal)
Вставайте, люди вольные, (Levante-se, povo livre)
За нашу землю честную! (Pela nossa terra honrada!)

Живым бойцам почёт и честь, (Aos combatentes vivos galhardia e honra)
А мёртвым - слава вечная. (E aos mortos - a eterna glória)
За отчий дом, за русский край (Pela pátria, pelo país russo)
Вставайте, люди русские! (Levante-se, povo russo!)

REFRÃO

На Руси родной, (Na querida Rússia*)
На Руси большой (Na grande Rússia*)
Не бывать врагу! (Não chegará o inimigo!)
Не бывать врагу!
Поднимайся, встань, (Erga-se, levante-se)
Мать родная, Русь! (Mãe querida, Rússia!*)
Поднимайся, встань, (Erga-se, levante-se)
Мать родная, Русь! (Mãe querida, Rússia!*)

Refrão

Врагам на Русь не хаживать, (Os inimigos na Rússia não passarão)
Полков на Русь не важивать! (Regimentos na Rússia não sobreviverão)
Путей на Русь не видывать, (Caminhos na Rússia não serão abertos)
Полей Руси не таптывать (Os campos da Rússia não serão pisados)

Refrão

*Aqui o termo usado é "Rus", o nome antigo da Rússia, e não "Rossiya" (nome atual), adotado a partir de Pedro, o Grande, no século XVII, adotado da língua grega.